Revista do Clube Militar - Nov/Dez-91

    Amazônia I

O FATO
 
 
    No dia 15 de novembro, o Presidente da República presidiu a cerimônia de assinatura de portaria do Ministério da Justiça criando a reserva dos índios ianomâmis.
    Ao noticiar esse fato, a imprensa tomou públicas divergências de opinião dentro do governo federal e acendeu urna polêmica que se alastrou, inicialmente, pelo Congresso e, em seguida, atingiu a todos que, com maior ou menor intensidade, se preocupam com os destinos do Brasil.
    No intuito de dar aos seus leitores alguns elementos básicos que permitam não só formar uma idéia mais precisa do problema, como também discuti-lo com mais propriedade, a Revista do Clube Militar, além da coletânea de trabalhos sobre a Amazônia apresentada nesta edição, preparou um resumo, extraído dos mais diversos órgãos de imprensa.

    CARACTERÍSTICAS DA ÁREA

    - A reserva Ianomâmi está localizada na fronteira do Brasil com a Venezuela e foi formada     de territórios retirados dos Estados do Amazonas e de Roraima.
    - Sua superfície é de 94.191 km2 (ou 9.419.105 hectares).
    - A população ianomâmi é estimada em torno de 8.OOO índios.
    - Essa área corresponde à superfície da Hungria, é um pouco maior que Portugal e três vezes o tamanho da Holanda ou da Bélgica.
    - Seu subsolo é muito rico. Satélites de pesquisa identificaram algumas das maiores jazidas brasileiras de ouro, diamantes, estanho, zinco, cobre e chumbo.
    - A Venezuela, por sua vez, já demarcara uma área contígua, com 80.000 km2 (8.000.000 Ha), o que dará condições aos índios para que transitem livremente entre os dois países.

    ANTECEDENTES

    - No passado, nações mais fortes pretenderam ocupar ou controlar a Amazônia. Desse esforço restaram as antigas Guianas Francesa, Inglesa e Holandesa.
    - Nos últimos decênios, grupos, organizações ou governos de países mais desenvolvidos vêm demonstrando, de várias formas, um  interesse  crescente  pela Amazônia (ver Amazônia V  Pressões Externas, Ingenuidade Interna).
    - Em 1981, o Conselho Mundial das Igrejas Cristãs elaborou um documento com o objetivo declarado de criar nações dentro da Amazônia,  escorando-se  no princípio da soberania limitada (ver Amazônia III - Diretrizes Brasil).
    - Mais recentemente, o Presidente da França propôs que o Brasil e os outros países amazônicos tivessem soberania limitada sobre a Amazônia.
    - Em outubro, o deputado inglês John  Battle,  apresentando-se como emissário do parlamento inglês, esteve com o Ministro da Justiça reclamando da demora na cessão da área aos índios.
    - Ultimamente, ONG - Organizações  Não Governamentais (internacionais) vinham pressionando o governo brasileiro para que fosse demarcada a área ianomâmi. Nos dias que antecederam a assinatura da portaria, o Presidente brasileiro teria recebido dezenas de telegramas dessas organizações internacionais reclamando da demora e ameaçando boicotar a reunião de 12 de dezembro, em Paris, quando seria discutida a pré-pauta da Rio 92 (Eco 92).

    AS REAÇÕES

    - A imprensa européia que, usualmente, do Brasil só noticia escândalos sobre corrupção, assaltos e assassinatos, desta vez cedeu largos espaços e manchetes generosas à criação da reserva ianomâmi.
    - A imprensa nacional noticiou que os ministros militares e o Secretário de Assuntos Estratégicos eram contrários à demarcação, preferindo que uma faixa junto à fronteira não fosse destinada aos índios, de modo a impedir a ligação direta da área brasileira com a venezuelana (o Presidente, em seu discurso, disse que tal decisão se apoiara em "sólido consenso no âmbito do Poder Executivo").
    - O Gen Euclydes de Oliveira Figueiredo Filho, ex-comandante militar da Amazônia, declarou que "a reserva não atende aos interesses brasileiros e ameaça a soberania nacional na região amazônica porque, no mínimo, é incompleta" e que "o Congresso precisa rever a decisão do Presidente, para proteger a soberania".
    - O Gen Antenor de Santa Cruz, atual comandante, queria saber quem defenderia a integridade e a segurança das terras. Para ele, há um "estranho interesse internacional em relação aos ianomâmis".
    - Os governadores dos Estados do Amazonas e de Roraima consideraram que a área era exageradamente grande e que teria havido pressão do Grupo dos Sete.
    - No Congresso Nacional, senadores e deputados protestaram contra a criação da reserva, por achá-la muito extensa e/ou por ter sido feita de forma inconstitucional.
    - Formou-se um grupo de deputados decididos a negar a concessão de crédito suplementar de 3 bilhões de cruzeiros, necessário aos trabalhos de demarcação da área.
    - Vários parlamentares apresentaram ações na Justiça ou projetos no Congresso, objetivando a anulação da portaria em razão de sua inconstitucionalidade.

    O QUE DIZ A CONSTITUIÇÃO

    "Artigo 20: São bens da União:
    II - as terras devolutas indispensáveis à defesa das fronteiras, das fortificações e construções militares (...);
    XI - as  terras tradicionalmente ocupadas pelos índios.
    § 2o: A faixa de até cento e cinqüenta quilômetros de largura, ao longo das fronteiras terrestres, designada como faixa de fronteira, é considerada fundamental para defesa do território nacional, e sua ocupação e utilização serão reguladas em lei.

    "Artigo 22: Compete privativamente à União legislar sobre:
    XIV: populações indígenas;
    XXVIII: defesa territorial, defesa aeroespacial, defesa marítima, defesa civil e mobilização nacional.

    "Artigo 48: Cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, não exigida esta para o especificado nos artigos 49, 51 e 52, dispor sobre todas as matérias de competência da União, especialmente sobre:
    V - limites do território nacional, espaço aéreo e marítimo e bens do domínio da União.

    "Artigo 49: É da competência exclusiva do Congresso Nacional:
    I - resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio;
    XI - zelar pela preservação de sua competência legislativa em face da atribuição normativa dos outros Poderes;
    XVI - autorizar,  em  terras indígenas, a exploração e o aproveitamento de recursos hídricos e a pesquisa e lavra de riquezas minerais;
    XVII - aprovar previamente a alienação ou concessão de terras públicas com área superior a dois mil e quinhentos hectares.

    "Artigo 84
    § 1o : Compete ao Conselho de Defesa Nacional:
    III - propor os critérios e condições de utilização de áreas indispensáveis à segurança do território nacional e opinar sobre seu efetivo uso, especialmente na faixa de fronteira e nas relacionadas com a preservação e a exploração dos recursos naturais de qualquer tipo.

    "Artigo 176:
    § 1o: A pesquisa e a lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais a que se refere o caput deste artigo somente poderão ser efetuados mediante autorização ou concessão da União, no interesse nacional, por brasileiros ou empresa brasileira de capital nacional, na forma da lei, que estabelecerá as condições especificas quando essas atividades se desenvolverem em faixa de fronteira ou terras indígenas.

    "Artigo 225:
    § 4o: A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional e sua utilização far-se-á na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.

    "Artigo 231:
    São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.
    § 1o: São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios ou por eles habitadas em caráter permanente as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários ao seu bem-estar e as necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.
    § 2o: As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam--se à sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.
    § 3o : O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a         pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra na forma da lei.
    § 4o:  As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indispensáveis, e os direitos sobre elas imprescritíveis."


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