Amazônia II
O Governo do Brasil, por portaria do Ministro da Justiça, assegurou
à nação ianomâmi a posse permanente de uma área
na fronteira com a Venezuela e a Guiana, abrangendo a extensão de
9,4 milhões de hectares, equivalente a três vezes a superfície
da Bélgica.
Em agosto último, o Governo da Venezuela também destinou
à nação ianomâmi, na fronteira com o Brasil,
uma área do seu território com a extensão de 8,3 milhões
de hectares, reconhecendo-a como "patrimônio da Humanidade".
Por conseguinte, a superfície ocupada continuamente pela referida
população indígena, que no Brasil atinge a cerca de
12 mil pessoas, passou a ser de 17,7 milhões de hectares, recebendo
a denominação oficial de "Terra Indígena Ianomâmi".
Tendo em vista o risco de que essa unidade territorial, que ultrapassa
fronteiras, possa justificar futuras intervenções estrangeiras
para mantê-la - tal como está ocorrendo neste momento em outros
países -, principalmente pela cada vez mais deformada imagem do
Brasil no exterior, o Exército sugeriu que, na faixa limítrofe
que a Constituição considera fundamental para a defesa da
soberania nacional, fossem tomadas medidas de acautelamento que se conciliem
com a preservação das atividades indígenas e, inclusive,
possam dar-lhes maior segurança.
A sugestão foi recusada. Com isso, o Brasil logrou tranqüilizar
as Organizações Não Governamentais (ONGs), sediadas
em Londres, que ameaçaram boicotar a Conferência Rio-92, caso
a demarcação não fosse assinada antes da próxima
reunião mundial, de 12 de dezembro, em Paris, a ser presidida por
François Mitterrand, que, em 1989, proclamou que a soberania não
pode servir de pretexto para agressões ecológicas.
Também o Parlamento britânico, que enviou ao Brasil o Deputado
John Battle, para comunicar a preocupação do Governo inglês
com a situação dos ianomâmis, foi atendido, como atestam
as reações favoráveis da imprensa.
O Ministro Passarinho, para justificar a medida, assegurou que a mesma
reforça a soberania nacional, ao dar "efetivação ao
artigo 20 da Constituição, que inclui, entre os bens da União,
as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, e o artigo 231,
que estabelece que essas terras são inalienáveis, indisponíveis
e os direitos sobre elas, imprescritíveis".
Na verdade, a Carta reconheceu os direitos dos indígenas, mas o
mesmo artigo 20, no seu parágrafo 2o, determinou que a faixa de
fronteira de até 150 quilômetros de largura é "fundamental
para a defesa do território nacional, e sua ocupação
e utilização serão reguladas em lei".
Torna-se assim difícil compreender que os entendimentos entre o
Ministério da Justiça e os dirigentes ianomâmis, com
intermediação da Funai, tenham resultado em que o Exército,
para cumprir suas atribuições agravadas pelos riscos que
hoje afloram na Amazônia, de atuação do narcotráfico,
de guerrilheiros e de contrabandistas, manterá apenas seis postos
em toda a linha fronteiriça, em locais que não prejudiquem
as atividades do "número muito grande de índios que se concentram
naquela zona" e que, sendo nômades, precisam de grandes extensões
livres para percorrê-las.
Neste momento, o Ministro da Justiça elabora a proposta sobre o
uso das terras demarcadas a ser apresentada ao Presidente da República
e submetida ao Congresso e ao Conselho de Defesa Nacional.
Convém portanto registrar, para esclarecimento da opinião
pública, que a matéria em questão é abrangida
pela Constituição, não em dois, mas em diversos artigos,
conforme publicamos nesta página.
Cabe ainda lembrar que o Exército, na sua atuação
em territórios ocupados por populações indígenas,
durante toda a nossa História, jamais representou qualquer ameaça
à sua preservação. Enquanto isso, o passado das nações
desenvolvidas lhes retira autoridade para nos dar lições
de manutenção de florestas ou de respeito aos povos nativos
que foram alvo de sua colonização. O Brasil é que
tem alguma coisa a lhes ensinar, na obra e no lema de ação
do inesquecível Marechal Rondon.
Quanto ao Ministério das Relações Exteriores, é
preciso que a transferência para Brasília não leve
seus atuais responsáveis ao esquecimento dos serviços prestados
ao País, notadamente na delimitação de nossas fronteiras
na Amazônia, pelo Barão do Rio Branco, a quem, em 28 de fevereiro
de 1904, Olavo Bilac saudava, abençoando-o pela "fortuna de assinar
três vezes os tratados que salvaram e mantiveram a integridade do
solo brasileiro".
O próprio Barão, em discurso no Clube Militar, advertia
que o Brasil teria de se manter atento nos entendimentos internacionais,
jamais adotando posições que, na hora, sendo louvadas por
interesses inconfessáveis, pudessem dar margem a futuras alegações
indevidas. Havia que se ter sempre em vista que cada parcela do nosso território,
tendo sido conquistada por meios suasórios e jurídicos, exigia,
para ser preservada, que fosse "seriamente organizada a defesa nacional",
pois "não se pode ser pacífico sem ser forte".