Classe média e trabalhadores pagam até 27,5% de Imposto de
Renda sobre tudo que ganham – isto é, sem o direito de descontar
as despesas feitas para trabalhar, ter renda. Abatimentos? Só ridículos
valores para mensalidades escolares, despesas médicas, dependentes.
A Vale do Rio Doce, ex-estatal portentosa, “dona” de outras 30 empresas
das áreas de mineração, navegação, portos,
celulose, madeira, doada por FHC a um grupo liderado pelo sr. Steinbruck,
teve um lucro de 1,25 bilhão de reais em 1999, para um faturamento
de 4,4 bilhões de reais. Quanto vai pagar de imposto de renda? Segure-se
na cadeira: míseros 5,0 (c-i-n-c-o) milhões de reais. Ou
menos de 0,5% do lucro, ou 0,125% do faturamento...
Como isso é possível? O secretário da Receita Federal,
Everardo Maciel, já havia dado um pista sobre aberrações
como essa, ao depor no congresso Nacional em meados do ano passado, na
CPI sobre o socorro do Banco Central a bancos quebrados, na crise do Real
em janeiro de 1999. Maciel, tão sério que vivem pedindo sua
demissão, apontou distorções na cobrança dos
impostos no Brasil, fazendo revelações inacreditáveis,
que em outros países derrubariam governos.
Primeiro: foi ele quem mostrou que o Governo estava perdendo bilhões
de reais, em imposto, com as privatizações. Como? Porque
o “ágio”, ou diferença entre o preço pedido
pelo Governo, nos leilões, e o preço oferecido pelo “comprador”,
é devolvido pelo Tesouro, sob a forma de abatimento do imposto de
Renda.
Segundo: Maciel revelou ao Congresso que metade da 500 maiores
empresas do Brasil não pagam um tostão de Imposto de Renda,
e a outra metade paga em média apenas 5%. Por quê? Sonegação?
Não. Há “brechas” na lei, disse ele, de forma diplomática,
mas que na verdade são privilégios e vantagens oferecidas
pelo governo FHC às grandes empresas e bancos, para reduzir o imposto
devido.
O balanço da Vale, com 0,5% de Imposto de Renda sobre o lucro, é
um retrato do Brasil de FHC/ Malan que aumenta impostos e corta verbas
para as áreas sociais em nome do “equilíbrio do Tesouro”
e abre buracos no Tesouro para favorecer os grupos de elite. Mas ele mostra
muito, muito mais, sobre esse Brasil.
Ele mostra, por exemplo, que realmente as elites perderam qualquer traço
de vergonha em matéria de mentir à opinião pública
– e de assaltar o cidadão brasileiro. Na época da publicação
do balanço, os “donos” da vale divulgaram anúncio de página
inteira nos jornais, alardeando “novos recordes”, e surgiram entrevistas
de seus diretores e editoriais exaltando a “eficiência” da administração
privada e as “vantagens da privatização”. É tudo mentira
descarada, pois a Vale andou de marcha-à-ré em 1999
– e ela deveria ser obrigada a publicar outro anúncio, se retratando,
por imposição Conar, que cuida da ética em propaganda,
ou da CVM, que deveria evitar propaganda enganosa de empresas com ações
em Bolsas. Os recuos da Vale são mostrados no próprio balanço
houve queda em todas as atividades da Vale e coligadas, a saber, venda
e exportação de minérios, transporte ferroviário,
terminais portuários, transporte marítimo (exceções,
segundo o balanço destaca: papel e celulose, siderurgia e alumínio).
O anúncio diz a verdade em um caso, isto é, quando aponta
que o lucro de 1,25 bilhão é recorde – apesar da queda, que
ele omite, nas operações. Explicação para o
aparente paradoxo? Eficiência administrativa? Nada a ver. Basicamente,
o lucro da Vale foi provocado por uma coisa muito diferente: a desvalorização
do Real no começo de 1999, que aumentou em mais 50% a quantidade
de reais recebida na troca de cada dólar obtido nas exportações
de minérios – que na verdade também, caíram, de 2,7
para 2,3 bilhões de dólares. Mas houve outros macetes, típicos
do Brasil de FHC, que também incharam os lucros da Vale. Ela ganhou
350 milhões de reais porque “previu” a queda do Real, e especulou
com o dólar (operações de “hedge”). Além disso,
ela e alguma de suas coligadas receberam de volta nada menos de 340 milhões
de reais do.... Imposto de Renda, graças principalmente a devoluções
concedidas como “incentivo” para a compra ou fusão de empresas,
inclusive nas privatizações (outra “brecha” à qual
Everardo Maciel fez referência).
Ah, sim, o grupo Vale do Rio Doce acumulou empréstimos aqui dentro
e no exterior no total equivalente de 4,4 bilhões de reais, dos
quais 1,05 bilhão lá fora com o aval do tesouro (que, segundo
o Governo FHC, não tinha condições de levantar empréstimos
no exterior, e, no entanto é aceito como fiador dos novos “donos-sem-dinheiro-e-sem-pudor”
da Vale). Desses empréstimos, diz o balanço, apenas 250 milhões
de reais arcaram com taxas de juros superiores a 11% a ao ano – o que significa
que os lucros da Vale estão sendo engordados, também, com
juros baixos (as empresas em geral pagam 40% ao ano no Brasil) no exterior
graças ao aval do governo, ou aqui dentro, graças a empréstimos
de pai pra filho do banco estatal BNDES.
Com lucros tão fantásticos, os novos “donos” da Vale seguiram
a tradição da empresa à época em que era estatal,
realizando investimentos para reforçar estrategicamente sua posição
no mercado mundial, inclusive com pesquisas de novas jazidas – ou para
melhora dos serviços ferroviários, portuários, de
navegação marítima, que também lhes foram doados
na privatização? Não. A Vale cortou seus
investimentos em 25%, de 420 para 350 milhões de reais (a empresa,
sempre marotamente, alardeia um investimento recorde de 1,0 bilhão
– porém, para este ano...). Os gastos com pesquisa ficaram em ridículos
46 milhões de reais. O que os “donos” da Vale fizeram com o dinheiro
do lucro? Embolsaram nada menos de 70%, algo como 850 milhões
de reais, pagos a eles mesmos, como juros sobre o capital próprio
– que também é outra “brecha”, tem “incentivos”do Imposto
de Renda”.
O balanço da Vale mostra recuos da empresa e “progresso financeiro” para os “donos” – às custas de todos os brasileiros, de quem, no final das contas, saem o dinheiro do Imposto de Renda, a diferença de juros do BNDES, o custo da desvalorização do Real. Um retrato da privatização e da “política” tributária e de crédito, favoráveis aos grandes grupos, do Governo FHC. E o Congresso, hein?