Fonte: Jornal O Estado do Paraná, 27
de Janeiro de 2000. .
Ultimato
à Petrobrás
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- Léo de Almeida Neves –
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O autor faz um alerta sobre as reais
intenções do governo federal para a Petrobrás,
que agora estão ficando mais claras.
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A Petrobrás
terá que se desfazer para a iniciativa privada, certamente multinacional
de algumas de suas onze refinarias, a pretexto de estimular a concorrência.
Da mesma forma, deixará disponível a terceiros seus 12400
km de dutos e seus terminais marítimos, o que facilitará
a importação de gasolina e diesel, liberada a partir de agosto/2000.
Essas diretrizes foram traçadas, conforme jornais de 19.1.2000,
pelo sr. David Zylbersztajn, diretor-geral da Agência Nacional do
Petróleo (ANP).
Percebe-se nitidamente
que a ordem para a mutilação da Petrobrás provém
do chefe da nação e é seguida orquestradamente pelos
seus subordinados. O ministro de Minas e Energia, sr. Rodolfo Tourinho,
em declaração à imprensa no dia 26.12.99, asseverou
que a Petrobrás deverá reduzir sua participação
nas áreas de refino e de transporte do petróleo. Na mesma
toada do ministro e do dirigente da ANP, o presidente do BNDES, sr. Andrea
Calabi anunciou, em entrevista dia 16.1.2000, a venda aqui e no exterior
de 31,72% do capital votante da Petrobrás, isto é, de
ações ordinárias pertencentes à União,
excedentes ao controle acionário.
Cumpre-se, assim, o
que o presidente da República antecipou em sua aula inaugural na
Escola Superior de Guerra, em 8.3.99: “A Petrobrás poderá
ter até partes vendidas, se isso for conveniente”. Logo a seguir,
em 19.5.99, o sr. David Zylbersztajn, provavelmente reproduzindo o pensamento
de FHC, disse que “a venda da Petrobrás estará madura em
5 anos” (palestra no 2.º Fórum do Petróleo, Rio de Janeiro).
É fácil verificar que más intenções
governamentais em relação à estatal do petróleo
são claramente proclamadas, não havendo cuidados sequer em
dissimulá-las.
Creio que ninguém
no Brasil contesta a importância estratégica do “ouro negro”
e sua absoluta essencialidade econômica. Qualquer país
independente que se preze e tenha ambições de tornar-se potência,
fará qualquer sacrifício para bastar-se em refino de petróleo,
principalmente se não for grande produtor. Alguém pode
imaginar o Japão, a Alemanha, a França ou a Itália
desprovidos de refinarias de petróleo para atender suas próprias
necessidades?
Governos anteriores
colocaram o Brasil superavitário em derivados de petróleo,
construindo e ampliando unidades industriais e denominando-as em homenagem
a líderes nacionalistas: Getúlio Vargas (PR), Alberto Pasqualini
(RS), Artur Bernardes (SP), Gabriel Passos (MG), Landulfo Alves (BA), Presidente
Geisel (SP) e Duque de Caxias (RJ).
Precedendo ao primeiro
mandato de FHC, os Estados de Pernambuco, Ceará e Rio Grande do
Norte disputaram ferrenhamente entre si para sediarem a projetada nova
refinaria da Petrobrás no Nordeste. O governo neoliberal sepultou
a idéia e não deu seqüência ao Protocolo de Intenções
assinado no Rio de Janeiro, em 26.6.1999, na presença do presidente
Hugo Chavez da Venezuela e do ministro Rodolfo Tourinho, pelas estatais
Petrobrás e da PDVSA (3.ª maior produtora mundial), com compromisso
de formar parcerias, inclusive em refinarias.
Entremente, o setor
privado não está indiferente ao espaço que lhe foi
aberto. Em 1998, a poderosa companhia alemã Thyssen aprovou o empreendimento
de uma refinaria de petróleo no Ceará. Por sua vez, a gigante
espanhola Rapsol (que assumiu o controle da ex-estatal argentina YPF) associou-se
ao grupo Peixoto de Castro, na refinaria Manguinhos, Rio de Janeiro, e
está elevando sua capacidade para 32 mil barris diários.
O grupo gaúcho Ipiranga tem projeto de aumentar sua pequena refinaria
de 9300 barris/dia na cidade de Rio Grande/RS.
Se o capital privado
nacional e estrangeiro goza de absoluta liberdade legal para instalar refinarias
de petróleo no Brasil, por que essa obsessão em obrigar a
Petrobrás a vender suas unidades, sabendo que esse ramo é
altamente lucrativo? Além disso, a operação das
refinarias permite à estatal otimizar sua política global
de formação de preços; se o valor internacional do
óleo bruto estiver caro (no momento, US$ 27,00/barril) baixa-se
a margem de lucro das refinarias; ao contrário, se o preço
ficar barato promove-se sua elevação. (De tempos em tempos
anunciam a privatização da BR Distribuidora, outra área
rentável nos negócios do petróleo).
Na verdade, vivemos
situação de risco, pois o Brasil refina – segundo disse o
presidente da Petrobrás, sr. Henri Philippe Reichstul – 1,5 milhão
de barrir diários, para uma necessidade de 1,75 milhão e
o consumo está subindo 4% ao ano, resultando que em 2005 o Brasil
precisará refinar 2,2, milhões de barris diários,
igual a nossa produção de óleo bruto prevista para
aquele ano, quando supriremos toda a demanda.
É inconcebível
que, ao invés de executar vigorosamente um plano de construção
de refinarias e ampliação das existentes, o governo federal
pretenda obrigar a Petrobrás a dispor de suas unidades, talvez para
enfraquecê-la e propiciar sua entrega às corporações
internacionais. Não se compreende
como o BNDES, tão solítico em financiar sociedades alienígenas
participantes dos leilões de privatização, não
ofereça empréstimos para novas refinarias no território
nacional? Será que é mais importante para o banco empenhar-se
na transferência das ações da Petrobrás com
direito a voto?
A União em 1999
bateu recorde de arrecadação tributária, com superávit
primário de R$ 32,774 bilhões, superior à meta assumida
com o FMI, não havendo, portanto, justificativa para alienar ações
com o propósito de fazer caixa.
Contudo, os inimigos
da estatal poderão aproveitar-se da repercussão negativa
do recente desastre ecológico na Baía da Guanabara para golpear
a inteireza da Petrobrás.
Os representantes
do povo no Congresso ainda podem redimir-se da carta branca que deram ao
Poder Executivo para sacrificar o patrimônio público.
Impõe-se aprovar em regime de urgência urgentíssima
projeto de lei que proíba a venda pela União de suas ações
da Petrobrás, com direito a voto. No Senado Federal tramita iniciativa
com esse objetivo, do senador Álvaro Dias, que já passou
pela Comissão de Constituição e Justiça. Cabe
às forças nacionalistas coordenarem-se e agirem, enquanto
é tempo, para manter incólume a empresa-símbolo de
nossa emancipação econômica.