A Defesa Nacional Jul/Set - 92

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A Reserva que Condena um Povo
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- João Metello Mattos -
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Dentro de uma abordagem histórica e científica, o autor examina o critério
utilizado para a demarcação dos temas para o povo Ianomâmi.

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    O assunto da demarcação de terras para uso e fruição do povo Ianomâmi vem sendo tratada em um nível emocional tão elevado, que não foi possível examinar o assunto dentro de uma abordagem estritamente científica, apesar da existência no país de estudiosos capazes de apresentarem esse ângulo do problema.
    O excesso de pressão política de grupos ambientalistas internacionais, e sua repercussão na área política nacional, afastou da discussão esse segmento da inteligência nacional, os cientistas, que certamente teriam muito a contribuir, aumentando o grau de racionalidade do processo de tomada de decisão.
    Todo esse assunto que deveria ser exaustivamente estudado, terminou sendo influenciado por reportagens sensacionalistas da grande imprensa mundial que, por razões de marketing de comunicação, mostram apenas um ângulo do problema, seus aspectos mais chocantes: a doença, a morte e a miséria.
    Ocorre que essa é a resultante previsível do contato não planejado, não controlado, não acompanhado e não assistido, da cultura Ianomâmi com grupamentos de homens brancos, em seus matizes mais contraditórios de interesse, desde funcionários da Funai, missionários de diferentes seitas religiosas, garimpeiros, mineradores, caçadores clandestinos, pescadores, colhedores de açaí, de palmito, de castanhas, madeireiros, contrabandistas, narcotraficantes, plantadores de epadu, e assim por diante.
    O exagero da dimensão atribuída à reserva, longe de preservar a nação Ianomâmi, irá prejudicá-la fortemente, pois o principal argumento que fundamentou reservar para cada indígena algo entre 7 a 1O km2 (compreendendo um espaço de terra maior que Portugal, que possui 10,5 milhões de habitantes, enquanto os Ianomâmi têm sua população estimada entre 9.000 a 12.000 pessoas) é equivocado, não possuindo base científica, como procuraremos mostrar adiante.
    A premissa equivocada que levou à decisão, onde todos perdem, inclusive os que hoje se consideram vencedores, partiu do princípio de que um grupo social pode ser conservado isolado, após contato com outros grupos sociais que estão em diferentes estágios de desenvolvimento.
    Se verdadeira a premissa, e sendo os índios em questão caçadores que se deslocam quando a caça escasseia na região, a questão se resumiria em dimensionar uma área suficientemente grande, de forma a conter reservas de caça.
    Como conseqüência, cálculos não explicados da Funai chegam à conclusão de que uma área igual a três Holandas deve ser entregue a uma população 1.400 vezes menor que a daquele país!
    E isso em prejuízo das pessoas a quem pretendem defender.
    Não existe evidência histórica ou científica, de que qualquer grupo humano tenha se mantido isolado de forma artificial. Após contatado, em todos os casos relatados em trabalhos científicos, houve interação, com a absorção de traços culturais, resultando na geração de novos pólos culturais.
    Reservas muito grandes lembram segregação, e não se consegue segregar populações humanas sem graves riscos. Pessoas não são micos-leões-dourados para os quais uma área espaçosa, contendo reservas de alimentos, é suficiente, para a sobrevivência do grupo em condições ideais.
    Os ianomâmis já estão contaminados pelas doenças dos brancos, é preciso que se dê a eles os mesmos direitos de um cidadão brasileiro, para que possam usufruir de benefícios do século XX e não apenas de suas misérias.
    Como exemplo da impossibilidade histórico-científica de manter um povo em seu habitat, como espécie de raros primatas, citaremos casos comprovados em que o isolamento não se mantém, e a interação é positiva.
    Dados de pesquisa científica, recentemente divulgados, permitem fazer um paralelo bastante ilustrativo do que ocorre, quando grupos em diferentes estágios culturais entram em contato. Esses dados mostram que é a abertura para outras culturas que promove o desenvolvimento de um povo, como demonstram de forma totalmente irrefutável testemunhos arqueológicos, que nos descrevem a evolução dos grupos que habitavam a região do Lácio, e que deram origem ao surgimento do maior império da antigüidade, o Império Romano (La Recherche - Jul/Ago 90).
    Entre o X e o VIII século antes de Cristo (a.C.) entre os povos itálicos, emergem para um papel relevante os habitantes do Lácio, região que se estendia entre o rio Timbre e o vale Garigliano, ao sul.
    Nessa época remota que se insere na proto-história de Roma, documentos arqueológicos recentemente divulgados podem comprovar a evolução dos grupos tribais para as cidades-estado, estimulados pelos contatos entre as tribos do Lácio e povos com nível de desenvolvimento mais avançado, como os etruscos, ao norte, e a campânia ao sul, onde foram estabelecidas colônias gregas.
    Essas duas regiões que correspondem, respectivamente, às áreas de influência das atuais cidades de Florença e Nápoles, eram muito mais desenvolvidas que o Lácio.
    A Etrúria, rica em jazidas de cobre, de estanho e de ferro, aberta para o mundo mediterrâneo, era desenvolvida desde os X e IX séculos antes da era cristã, utilizando formas de organização proto-urbanas.
    A campânia tinha visto chegar os navegadores miocênicos da idade do bronze, cuja civilização teve início na ilha de Creta - depois, na época de fundação de colônias, os gregos que fundaram o entreposto de Ischia e a colônia de Cumes.
    Servindo de intermediário para o comércio entre essas duas regiões, o Lácio foi profundamente influenciado, particularmente em suas estruturas econômicas e sociais.
    Os habitantes do Lácio viviam em aldeias habitadas por comunidades de 100 a 300 pessoas.
    As habitações eram exclusivamente constituídas de cabanas circulares, ovais ou retangulares.
    Não havia hierarquia ou o conceito de propriedade da terra. A unidade da comunidade era baseada no conceito de família estendida, isto é, grau de parentesco - cada família formando um grupo único durante 20 ou 30 anos, antes de se dividir em várias unidades.
    O Lácio beneficia-se das relações culturais ao norte e ao sul de sua região.
    A competição entre os grupos familiares e a introdução de culturas agrícolas permanentes, como a vinha e a oliva, segundo interpretação das evidências arqueológicas, causou a passagem da propriedade coletiva para o conceito de propriedade privada.
    O sucesso na exploração agrícola e a acumulação de bens materiais logo resulta em poder político. Algumas famílias consolidam seu poder, criando em torno de si um grupo de famílias "clientes", isto é, com relação de subordinação.
    A fabricação de objetos fica mais complexa, como é o caso da construção de carros, onde se utiliza o bronze, a madeira, o cobre e o ferro.
    No VII século a.C. difunde-se a escrita.
    Nessa época, surgem as construções em pedra e casas cobertas com telhas, e, também, os primeiros edifícios públicos pavimentados em pedra, como o fórum.
    Não é preciso continuar a descrever a seqüência da evolução do Lácio, onde a estrutura social tornou-se mais hierarquizada e complexa com o surgimento da aristocracia, da monarquia e, posteriormente, dando origem ao Império Romano.
    Como os documentos arqueológicos comprovam, os romanos conseguiram fazer sua evolução, e construir o maior império do mundo antigo, a partir de seus contatos e comércio com grupamentos humanos mais desenvolvidos, o que agora se pretende negar aos Ianomâmis.
    Com muita lucidez, o editorial intitulado A Redoma Fatal, publicado no jornal O Globo, conclui que:

    "A preservação de grupos étnicos em redomas que os mantenham distantes de contatos humanos não passa de uma tentativa de fazer parar o tempo, como se isso fosse possível, em zonas cujas dimensões e natureza tornam impossível um policiamento protetor.
    O artificialismo condena esse equívoco, e o resultado final ameaça ser a contaminação dos grupos primitivos pela ação clandestina do que há de pior na sociedade moderna, enquanto o que há de melhor é mantido à distância pelo respeito à lei."

    Muito mais sério e preocupante que todos os inconvenientes já mencionados, pelo excesso de área a ser demarcada, inclusive a destinação de área em faixa de fronteira, antes da existência de lei regulamentadora, como exige o § 2o do Art. 20 da Constituição Federal, está em que a decisão contraria a premissa básica que fundamenta a formação das nações no continente americano.
    Brasileiro é quem nasce no Brasil, não importa se filho de japonês, ianomâmi, português, tereno, banto, alemão, nagô, italiano, todos contribuindo culturalmente para a formação de uma nação, que pouco a pouco adquire identidade própria.
    O conceito de nacionalidade baseada no sangue, isto é, os filhos mantêm a nacionalidade dos pais, leva a divisões, conflitos, à criação de guetos.
    É preciso preservar o fundamento sob o qual se construiu este País.
    A Nação Brasileira tem como postulado de sua formação o local de nascimento. Os Ianomâmis, nascidos em território brasileiro, são brasileiros natos.
    Há tempo de se corrigir o equívoco, de prejudicar, por excesso de zelo ecológico, a quem deseja proteger, em sua imensa reserva, por tratá-los como animais raros, como micos-leões-dourados, ao condená-los ao isolamento; e aos brasileiros em geral, pela subtração de parte substancial de seu território,  à  legítima  utilização econômica; e ao risco que introduz ao desrespeitar princípio fundamental de coesão nacional, quem nasce dentro das fronteiras nacionais é brasileiro.

    Cumpre preservar a unidade da Nação Brasileira, encorajando os princípios que unem pessoas em uma mesma comunhão de sentimentos. E a nacionalidade é uma delas.
 


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