· ENERGIA ELÉTRICA – às vésperas do leilão da Light, o governo brasileiro cedeu a uma série de pressões dos “compradores” em potencial. Coube a Elena Landau, diretora de desestatização do BNDES, e posteriormente diretora de um banco estrangeiro, anuncia-las na linguagem complicada de sempre, para evitar que a opinião pública se apercebesse da gravidade das decisões.
a) Tarifas – enquanto dizia que as tarifas seriam reduzidas para beneficiar o consumidor, o governo já havia concordado em reajustá-las todos os anos, de acordo com a inflação medida pelo IGP-DI (isto é, o governo concedeu reajustes automáticos, indexou). Prazo previsto para essa indexação durar: cinco anos. Prazo anunciado por Elena Landau: oito anos. Mais três anos de reajuste automático.
b) Tecnologia – foi concedida “liberdade” para os compradores adotarem a tecnologia que bem entendessem. Em bom português, o que isso significava realmente? Tecnologia é sinônimo de equipamento. Então, o que o governo deu foi liberdade para a Light e outros futuros “compradores” adotarem tecnologia de suas matrizes, fornecida, é óbvio, pelas fábricas de seus países de origem. Essa concessão trouxe a conseqüência previsível: as empresas “privatizadas” passaram a importar maciçamente equipamentos, peças, componentes. “Quebraram” a indústria nacional. E “torraram” dólares, contribuindo para a crise futura do real.
c) Endividamento – outra “liberdade” concedida aos compradores: decidirem livremente os meios de financiar seus investimentos futuros, isto é, desapareceu a exigência de que as multinacionais trouxessem capital próprio para aplicar no país. Elas puderam recorrer a empréstimos no mercado mundial, aumentando o endividamento e o pagamento de juros pelo Brasil. Outro fator de derrocada do real.
d) Passa-moleque – finalmente, a senhora Elena Landau foi incumbida de noticiar, também, que o governo havia abandonado o modelo que sempre divulgar para privatização de empresas de energia. Até então, assegurava-se – inclusive ao Congresso Nacional – que o governo participaria ativamente da gestão da administração das empresas privatizadas. A reviravolta: o governo desistia de ser co-getor, para concentrar-se no papel de fiscalizador do setor. Autonomia total para as multinacionais agirem de acordo com seus interesses. E de seus países.
e) Quem manda no país – com
as privatizações, o governo poderia até extinguir
o Ministério da Energia, pois ele perdeu qualquer função.
Como assim? Também inacreditavelmente, toda a política energética
do Brasil passou a ser decidida por uma espécie de “condomínio”
, como diz o governo, formado pelas empresas de energia agora privatizadas,
ou “operadoras”... Seu nome? Operador do Sistema Nacional – OSN. “Um condomínio”
que, ao contrário do que os brasileiros pensam, não ficou
responsável apenas pelo sistema de transmissão de energia,
e do qual a opinião pública veio a tomar conhecimento por
causa do “apagão" de março de 1999. Seus poderes são
totais: o “condomínio” de operadoras substituiu o governo e passou
a decidir onde, quando e como devem ser construídas usinas, quais
as regiões prioritárias etc. O problema de tarifas e qualidade
de serviços ficou com a Agência de Energia Elétrica,
do governo. O resto, com a OSN, das operadoras. Para que Ministério?
O governo não manda mais nada mesmo. Nem governa mais.
Acredite se quiser
Aberrações maiores estavam por via após essas mudanças todas. Poucos brasileiros se deram conta, ou poucos brasileiros acreditam que isso tenha sido realmente possível, mas o fato é que o governo abriu mão, deixou de opinar sobre a administração até mesmo de empresas em que ele continuou a possuir a maioria das ações com direito a voto... Empresas ditas “privatizadas”, mas que ainda eram do governo. Como isso foi possível? Com a mera criação de um “acordo de acionistas”, pelo qual o “comprador”, mesmo minoritário, passa a ser reconhecido como o administrador. O “proprietário”. Foi assim com a Cemig, da qual um grupo norte-americano, financiado pelo BNDES, participou da compra de apenas um terço das ações com direito a voto... E foi assim com a própria Light: após o leilão, o governo (Eletrobrás) continuou com 28,8% das ações e o BNDES com 9,14%; isto é, o governo ficou com 37,94% enquanto as “compradoras” arremataram apenas 34,4% das ações. À frente destas estava a francesa EDF, que detém apenas 11,4% das ações e, a partir daquela data, passou a mandar e agir como “dona da Light”.
· DIVIDENDOS,
SANGRIA – ao conceder tantas vantagens
ao capital estrangeiro, o governo sabia que estava encaminhando o país
para um terreno minado. Também na época da privatização
da Light, outro diretor do BNDES, Luiz Crysóstomo, admitia que a
abertura aos “compradores estrangeiros” apresentava riscos futuros de “torra”
de dólares. Segundo Crysóstomo, com a “liberdade” concedida,
os “compradores” poderiam tomar empréstimos em bancos de seus países,
em valor “equivalente a 85% a 90%” dos desembolsos que enfrentariam, a
juros de 12% ao ano, para aplicar no Brasil, exigindo um retorno de 15%
a 20%, acima do 12%. Isso significaria remessas brutais de juros e de dividendos
(participação dos “compradores” nos lucros), sobretudo, dizia
Crysóstomo, a partir de 1998 e 1999 – quando começariam a
vencer os primeiros empréstimos concedidos aos “compradores” das
estatais. Em outras palavras: os financiamentos externos ampliaram
a dívida e a “torra” de dólares. E, do ponto de vista do
consumidor, obviamente a redução de tarifas tornou-se um
sonho mais distante, já que todos os juros e dividendos exigidos
pelos “compradores” devem sair do faturamento das “privatizadas”. Os incríveis
“acordos de acionistas” facilitaram a criação e a manutenção
de todas essas distorções, com a ausência do governo
na gestão das empresas.
Sem estratégia
Na privatização das teles houve o mesmo tipo de guinada, com o abandono da política anunciada – na qual a sociedade e o Congresso haviam acreditado:
· CONTROLE ESTRANGEIRO – inicialmente, previa-se que ele não seria permitido. Às vésperas dos leilões ficou o dito pelo não dito.
· EMBRATEL – sempre houve preocupação com a privatização da Embratel, como empresa responsável, com seus satélites, pelas transmissões a longa distância, isto é, pelas comunicações do país com o resto do mundo. O próprio governo admitia tratar5-se de uma empresa estratégica, e que, sob comando privado, poderia, inclusive, colocar em risco a capacidade de concorrência de empresas usuárias (daí a reação violenta de outras emissoras de TV quando houve a perspectiva, depois frustrada, de a Rede Globo “comprar” a Embratel). Para abrandar as críticas, o governo acenou com uma saída: criaria ações especiais (golden shares) que lhe dariam poder de veto sobre decisões da empresa privatizada. Às vésperas do leilão, publicado o edital, até essa promessa foi abandonada. E um consórcio de empresas dos Estados Unidos comprou a Embratel.
· TECNOLOGIA – o governo chegou a anunciar que as “compradoras” das teles teriam de usar forçosamente 35% de peças e componentes comprados no país, de produtores locais. Depois, reduziu essa proposta para 20%. Mais tarde, para indecentes 5%. Finalmente, às vésperas do leilão, o governo curvou-se às exigências dos compradores e eliminou qualquer obrigatoriedade. Para enganar, anunciou com estardalhaço que financiaria os fabricantes nacionais, para dar-lhes condições de competir com os concorrentes estrangeiros. Nem isso restou: o BNDES concederá os financiamentos diretamente às empresas telefônicas, que poderão continuar a importar. A falta total de encomendas aos fabricantes nacionais provocou intensa reação no começo do segundo trimestre de 1999, levando o governo a anunciar que reestudaria a questão. Enquanto isso, a “torra” de dólares com importações, a quebra de empresas nacionais e a destruição de empregos continuam. Em tempo: segundo dados copilados pelo economista Luciano Coutinho, da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), nos Estados Unidos as importações pelas empresas de telecomunicações não passam dos 40% de peças e componentes. Na Suécia, 96% dos equipamentos são produzidos no país. Há países que defendem seus interesses, seus empregos, sua população. Não, o governo brasileiro não age assim.
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