"Nenhuma nação
ocidental lutou como os povos de língua inglesa com a certeza de
que seu destino
era o Reino de Deus.”
Kevin Phillips, The Cousin’s War - 26/09/1999.
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Uns tempos antes da invasão anglo-americana da Normandia em 1944,
o serviço de relações públicas do exército
norte-americano solicitou ao general G. S. Patton – um extraordinário
comandante de tanques, um caubói que usava no cinturão dois
colts com cabo de madrepérola – que comparecesse a um ato cívico
organizado por umas senhoras inglesas. Patton, um boquirroto, não
resistindo à oportunidade, dirigiu-lhes algumas palavras. Encantou
as damas, mas pôs em polvorosa os aliados soviéticos. Dissera
a elas, sem rodeios, que o destino futuro do pós guerra seria dominado
inteiramente pela raça anglo-saxã. Os americanos e os ingleses,
e não os alemães, eram os verdadeiros arianos. Repreenderam
severamente o general pela gafe, mas ele acertou.
O mundo de hoje é propriedade do que Kevin Phillips, um original
historiador norte-americano, chamou de o english-speak imperium,
ou também de “o império dos primos”. Nos últimos três
séculos, ora um, ora outro, outras vezes juntos, americanos e ingleses
enfrentaram e venceram os espanhóis, os franceses, os alemães
e, finalmente, os russos. Quem os desafiou perdeu. A origem histórica
mais próxima deste conluio de primos deu-se com a Carta do Atlântico
de 14 de agosto de 1941, quando o presidente Roosevelt e o primeiro-ministro
Churchill, entre outras coisas, pactuaram agir em nome do common aims,
de seus objetivos comuns. Desde então a política externa,
e mesmo a interna, dos dois países praticamente marchou junta.
Quando na Inglaterra, logo depois da guerra, elegia-se o trabalhista Attle,
os americanos confirmavam o democrata Truman. No momento em que os ingleses
voltaram-se para o conservador Churchill, a América votou no candidato
republicano, o general Eisenhower. Logo que os ingleses sufragaram a conservadoríssima
senhora Tatcher, os americanos os acompanharam com Reagan. E quando eles,
os primos, cansaram-se dos seus respectivos governos conservadores, celebraram
o democrata Clinton e o neotrabalhista Tony Blair. Evitaram sempre confrontar-se.
Neste tempo todo, segundo se sabe, só um desentendimento sério
ocorreu entre eles, quando a Grã-Bretanha, em 1956, tentando reviver
seus rituais colonialistas, decidiu-se a reverter a nacionalização
egípcia do Canal de Suez. Incidente que foi resolvido com um simples
telefonema do presidente Eisenhower ao seu colega inglês, o primeiro-ministro
Eden, forçando-o a retirar-se.
No transcorrer da longa Guerra Fria, a Grã-Bretanha não se
opôs em converter-se num enorme porta-aviões dos norte-americanos
ancorado à beira da Europa, inclusive sujeitando-se, conformada,
a acolher artefatos nucleares em seu solo. Endividara-se tanto com seu
primo rico desde a Lei dos Empréstimos e Arrendamentos, que não
lhe restara saída. Porém nada fez com que moderasse a vocação
imperial.
Brandindo ao seu gosto e interesse o evangelho liberal dos direitos humanos
(um arguto substituto moderno do catecismo cristão), instigou, exultante,
o seu primo americano a cometer o bárbaro bombardeio da Iugoslávia,
entusiasmando-se em dividir com o todo-poderoso parente a ocupação
militar de Kosovo. Hoje, no Oriente Médio, continuam aparceirados
em lançar rotineiramente projéteis e bombas, sem autorização
de quem quer que seja, sobre o Iraque. E, na recente crise do Timor Leste,
em virtude do irrestrito apoio que americanos e ingleses deram à
ditadura anticomunista dos militares indonésios durante mais de
30 anos, recatados, os primos estimularam a que um outro parente seu, ali
bem próximo – os australianos –, assumisse a tarefa de uma tropa
de ocupação. Querem logo tapar o vazio deixado pela retirada
dos desastrados comandados do general Wiranto e das suas gangues.
Assim, a família imperial anglo-saxã engordou mais um pouco.
Se o leão inglês e a águia americana são carnívoros
de alta estirpe, desprezando aquela ilha de esfomeados, o modesto canguru
australiano parece satisfazer-se com a magra dieta vegetariana que é
o Timor Leste.
* o autor é historiador.
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