A
globalização é um novo fato no mundo. Não existe
dúvida de que a tecnologia, as comunicações e a economia
conduzem a fazer do planeta uma unidade mais entrelaçada, complexa
e inter-relacionada. Também é um fato que tal acontecimento
tem efeitos em todas as áreas da vida social e, sensivelmente, na
economia.
É fora de dúvida
que a globalização em si mesma é um progresso da qual
ninguém poderá escapar e um processo irreversível.
Porém ao aceitarmos esta constatação não se
admite necessariamente que todas as suas conseqüências devem
projetar-se em uma só direção, a qual, até
agora, parece beneficiar basicamente a alguns países e prejudicar
a outros.
Na globalização
existem ganhadores e perdedores porque entre os países desenvolvidos
se está criando uma mentalidade, em muitos sentidos excludente,
e que não interpreta todos os fatores que entram no jogo. Tais fatos
podem produzir desequilíbrios internacionais capazes de conduzir
o mundo a dificuldades maiores do que as que se conheceram durante a Guerra
Fria.
É uma tremenda
ingenuidade pensar que o final da Guerra Fria abriu as perspectivas de
um paraíso para a humanidade. Pelo contrário, estão
sendo geradas intensas contradições que poderiam multiplicar
os conflitos nos primeiros anos do próximo século e tornar
mais difícil o vida para grande parte do gênero humano.
Por esse motivo é
necessário que os países em desenvolvimento tenham claras
os noções de interesse nacional. Em muitos casos pode haver
tendências a uma "globalização ingênua"' e a
um internacionalismo-irmão". Esta posição se alimento
na idéia de que existe uma espécie de progresso linear que
automaticamente produzirá benefícios pelo simples fato de
inscrever-se no "clube da globalização". Se esquece, desta
maneira, que neste clube existem membros de primeira classe, vários
de segunda, muitos da terceira e inúmeros outros na lista de espera.
A "globalização
ingênua" pode conduzir-nos a erros fundamentais. O primeiro deles
é o de prescindir do interesse nacional e do papel que os estados
e os governos nacionais têm que assumir para defender os interesses
dos países que representam. É muito bom o diálogo,
as negociações, as aberturas de mercado e todos os demais
benefícios que produz o desenvolvimento tecnológico e comunicacional.
Porém dentro deste intricado jogo temos alguns interesses a defender;
uma posição a assumir e uma atitude a vigiar constantemente.
Há alguns anos
li um livro que me intrigou profundamente. Está escrito por um homem
sobejamente conhecido no cenário internacional, Kenichi Ohmae, cujo
título é: The end of the nation state (New York, Free Press,
1995). É um livro inteligente, porém seus delineamentos e
conclusões poderiam nos levar a admitir postulados que conduziriam
ao prejuízo dos interesses dos povos e das nações
menos desenvolvidas. Os argumentos são muito bons para defender
a posição dos países poderosos, porém inconsistentes
para assumir a tribuna dos menos aquinhoados.
Um dos argumentos que
agora costuma-se alardear é de que os estados são apenas
referências cartográficas dentro da estrutura política
da planeta. Isto, em termos técnicos e comunicacionais pode ser
considerado correto. Porém, a realidade humana é outra. Os
estados estão formados por seres humanos que deveriam estar representados
e encarnados por eles, mas sabemos que, muitas vezes, não é
assim que as coisas ocorrem. Entretanto é importante enfatizar essa
dimensão histórica do Estado Nacional: um elo entre as pessoas
e a ordem política.
Existe uma tecnocracia
apátrida que voa sobre as fronteiras e possui fórmulas sintéticas
poro todas as realidades nacionais. Grande parte da crise financeira de
hoje se deve a que as tecnocracias, particularmente aquelas que influem
nas instituições econômicas e financeiras internacionais,
não possuem uma idéia histórica das realidades que
manejam. Administram fórmulas, abstrações e jogam
com os números e os deslocamentos financeiros sem ter em conta que
a base de toda essa circulação financeira internacional está
apoiada em complexas comunidades nacionais que têm seu direito a
viver, suas expectativas ante o mundo, uma cultura e uma história
que defender e preservar e uma lógica aspiração à
dignidade e à reciprocidade.
Com a crise asiática
ficou bem evidenciado que os mecanismos financeiros não se autoregulam,
como ingenuamente alguns vinham pretendendo; que neles intervém
fatores psicológicos e políticos e que ao final das contas,
os árbitros não podem ser os interesses internacionais e
sim os povos que elegem os seus governantes.
Outro feito da globalização
ingenuamente aceito é o que supõe que o fato de proclamar
a "adesão ao clube" pressupõe, automaticamente, a conquista
do bem-estar. Para globalizar-se é necessário desenvolver
certas capacidades nacionais, a formação de recursos humanos,
as infra-estruturas básicas, a instantaneidade nas comunicações
e todo um sistema cultural que lhe apoie e proporcione sustentação
aos feitos da globalização.
Para criar competição
e competência é imprescindível preparar as pessoas,
administrar inteligentemente a formação do capital humano
e dar-lhe mística, entusiasmo e estímulo para que entenda
que a riqueza se apoia, fundamentalmente, na capacidade das pessoas. Para
ser competitivo é preciso ser capaz e para atingir a capacidade,
é necessário preparar-se e assumir o objetivo fundamental
da educação, em bases totalmente distintas das que prevalecem
na atualidade.
Porém, também
existem requisitos políticos para a globalização.
O primeiro de todos é que os governos têm que ser representativos
da vontade da sociedade. Isto supõe um controle efetivo por parte
da opinião pública e do eleitor do que fazem os governos
e um contrato social claramente definido para que aqueles que aspiram a
falar em nome das unidades nacionais que entram no jogo global, possam
ser, realmente, legítimos representantes dos povos.
A "globalização
ingênua" esquece a maior parte destes componentes. É necessária
a privatização de alguns segmentos parasitários do
setor público, mas isto tem que estar orientado a que as iniciativas
e os negócios que se empreendam em nome das países e das
nações, beneficiem o interesse geral e não determinados
setores excludentes.
A conclusão
é que a globalização sem a democracia não funcionará
com eficácia e para que haja bons governos tem que existir mecanismos
de responsabilidade política ante o eleitorado e ante o povo que
esses governos representam. Isto quer dizer que a liberdade e a amplitude
dos mercados está somente garantida pela liberdade e dignidade democrática
dos povos.