A
falência dos pequenos produtores rurais
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- Rafael
M. M. -
O Brasil, sem sombra de dúvidas, é um dos melhores países
do mundo em termos de áreas agricultáveis e condições
para produção de animais. Para muitos, sua vocação
natural é ser um dos celeiros do mundo no próximo século,
com agricultura e pecuária fortes, agroindústria forte, auto-suficiente
para atender o consumo interno e com largos excedentes para exportação
com preços competitivos. Seria plausível, seria ótimo,
mas, nos últimos anos uma desastrada política agrícola
(segundo alguns, maldosa) tem sido levada a cabo.
Essa política tem prejudicado todos os setores, das agroindústrias
aos produtores, dos pequenos aos grandes. Porém, é mais
preocupante a situação dos pequenos produtores, largados
à própria sorte e sem voz de reivindicação.
Em primeiro lugar, é importante salientar a importância dos
pequenos produtores para a produção agropecuária nacional.
Diversos itens de consumo, muitos da cesta básica, praticamente
só são produzidos em pequenas propriedades e lavouras. São
bons exemplos o feijão e os ortifrutigranjeiros. Devido à
rentabilidade, produtividade e outras peculiaridades, os grandes latifúndios,
com raras exceções, não se interessam por tais culturas,
concentrando-se em produtos para exportação.
Em segundo lugar, é interessante avaliar a importância dos
pequenos produtores para a sociedade e economia do interior. Um bom
desempenho nessa área diminui o inchaço nas cidades, fixando
uma maior parcela da população no campo. As pequenas cidades
do interior, em geral, sobrevivem de atividades relacionadas à produção,
como comércio, pequenas agroindústrias e outros. Há
uma relação de dependência. Quando as coisas vão
bem na agricultura, essas regiões gozam de uma excelente qualidade
de vida e prosperidade, que se propaga. Porém, quando as coisas
vão mal, há igualmente propagação, mas neste
caso, de problemas.
Para se ter uma boa noção do que está errado, é preciso avaliar alguns pontos principais:
Política de preços e estratégia de produção
A péssima política de preços agropecuários
dos governos federal e estadual (nem todos) tem criado muitos problemas.
Muitas vezes, após a colheita, os preços praticados para
certos produtos estão tão baixos que os produtores preferem
deixá-los estocados ou estragando, pois os custos para disponibilizá-los
para venda saem mais altos que o próprio valor de venda. Às
vezes, opta-se por nem fazer a colheita.
Como é possível que tais fatos aconteçam? Uma péssima
política agrícola, aliada a uma total falta de estratégia,
deixa os produtores sem orientação, levando-os a escolher
as culturas ao léu, havendo em certas épocas ou regiões
desabastecimentos enquanto em outras há excedentes, ou vice-versa.
Além de não prevenir, o governo não remedia, pois
raramente viabiliza a venda de excedentes de uma região para outra
desabatecida, assim como não estabelece uma política de preços
que permita o equilíbrio, evitando a quebra dos produtores. Em alguns
momentos, quando a situação fica caótica, compra os
excedentes e os deixa apodrecendo em seus armazéns. Ora, estão
à disposição do governo diversos meios e estruturas,
tanto a nível federal quanto estadual, para realizar uma política
de preços justa e estabelecer uma estratégia de produção
eficiente.
Crédito Rural
Para os pequenos produtores, existem pouquíssimas linhas de crédito.
O agricultor, por exemplo, faz o plantio, cuida da plantação,
arca com as despesas para tal e após o devido tempo faz a colheita.
Qual a meta básica do agricultor? Com o que receber pela venda da
safra, espera ter dinheiro para o próximo plantio e o suficiente
para a subsistência de sua família e propriedade. E se possível
prosperar. O mesmo vale para os pequenos produtores de animais, granjeiros
e outros, com suas respectivas características.
Porém, devido aos baixos preços ou até inexistência
destes, e às vezes fatalidades, como a perda da produção
por bruscas mudanças climáticas, o agricultor fica sem condições
de reiniciar o processo. Só lhe resta procurar por empréstimos
e financiamentos. No interior do país, há poucas opções.
Até alguns anos atrás, havia muitos bancos que destinavam
grandes somas ao chamado “crédito rural”. Banco do Brasil (principalmente),
bancos estaduais e alguns bancos privados (como o Bamerindus), ainda eram
um recurso. Assim, a produção continuava seu ciclo.
Alguns bancos privados, após a venda para estrangeiros, fecharam
a quase totalidade de suas agências que se prestavam a esse fim,
a maioria em pequenas cidades, julgando-as de baixa lucratividade. Com
o processo de privatização dos bancos estaduais, estes também
têm se afastado. O Banco do Brasil passou a ser a última esperança,
por ainda manter agências em pequenas cidades. Entretanto, de uns
anos para cá, têm ficado cada vez mais restritas suas linhas
de crédito rural.
Atualmente, estas linhas quase só existem para latifundiários,
e mesmo para eles deixa a desejar. Ou seja, ficou muito mais difícil
para os pequenos produtores conseguir empréstimos e superar seus
problemas financeiros.
O Ciclo terrível
O problema dos financiamentos e empréstimos tomados pelos pequenos
produtores é que, aliados às muitas outras dificuldades,
criaram um ciclo terrível do qual é muito difícil
sair.
A cada vez que toma um empréstimo, o produtor se compromete a pagar
após receber pela venda da colheita. Contudo, por motivos já
antes expostos, ele muitas vezes tem prejuízos e, conseqüentemente,
mal consegue pagar a dívida, ou não consegue. Na melhor das
hipóteses, não tem lucro. Na pior, fica inadimplente. O resultado
é óbvio: para fazer um novo plantio, ou manter a produção,
é preciso fazer um novo empréstimo, correndo o risco de a
situação se repetir, criando um ciclo. Aqueles que entram
nesse ciclo nunca prosperam.
A péssima situação dos pequenos produtores rurais
contribui, ainda, com várias outras chagas da sociedade nacional.
Entre elas o agravamento da situação no interior, a ampliação
da pobreza, o aumento do êxodo rural e o aumento dos conflitos pela
reforma agrária (o governo, quando afirma ter assentado centenas
de milhares de famílias, não cita que ao mesmo tempo muitas
outras abandonam o campo, assim como muitas recém assentadas entram
no mesmo drama).
Num contexto mais localizado, há ainda algumas situações
inacreditáveis, que nem tantas atenções recebem. Surgiram
entre as agroindústrias, já há alguns anos, algumas
extremamente oportunistas. A proposta que fizeram aos produtores, muitos
já em má situação, consistiu mais ou menos
no seguinte: produziriam itens de interesse da empresa, esta se comprometendo
a comprar toda a produção, facilitar linhas de crédito
para iniciar a produção e praticar preços justos.
Um grande número de produtores entrou nesse esquema.
De início, tudo correu bem. Os preços agradavam e os produtores
começaram a prosperar. Passaram alguns anos, e a verdade se mostrou.
Ano a ano, as empresas passaram a reduzir o valor pago pela produção,
sempre com novas desculpas, alegando problemas financeiros, entre outros.
Até que se chegou num limite, suficiente apenas para recomeçar
o ciclo produtivo, isso quando dava. A situação ficou novamente
difícil. E quando foram procurar vender seus produtos para outros
compradores? Descobriram que essas empresas possuem um acordo com suas
congêneres de outras áreas, cabendo a cada uma não
comprar de produtores da outra. Isso ocorre, por exemplo, em algumas áreas
de produção de fumo e pequenos animais no sul do país.
Ou seja, uma espécie de sistema servil, em moldes medievais, mas
bem típico da busca frenética por lucro que se configura
atualmente.
Apenas um exemplo da dura realidade.
O que se vê é que os pequenos produtores rurais brasileiros agonizam e, ao invés de obter ajuda, sua situação só se agrava. Junto com eles, agoniza o interior. Apesar de tudo, ainda existem bons exemplos. Em algumas regiões o problema é tratado com seriedade pelos governantes e pela sociedade local. Mas não é o que se vê no geral. É preciso que a sociedade se sensibilize com a triste verdade do campo. Cabe ao governo federal tomar uma atitude e, no mínimo, rever sua política agrária, que se não é maldosa, é irresponsável e poderá, em poucos anos, levar a agropecuária nacional a uma quebra inaceitável.