Foi com essa perspectiva que o Brasil e dezenas de outros países
emergentes aderiram ao tal consenso. E foram com muita sede ao pote, atendendo
integralmente os requisitos exigidos: eliminaram barreiras à importação,
desobstruíram
canais de comercialização, tudo de forma unilateral. O que
obtiveram em troca?
Dois pesos e duas medidas – obtiveram pesados déficits comerciais!
A inundação de seu mercado interno por produtos made in Primeiro
Mundo. O padrão de comércio internacional do final de século
é oposto ao receituário
acima, seguido apenas
pelos países pobres.
A origem do atual processo passou pelo conceito de co-desenvolvimento,
uma das propostas caras de François Miterrand. O conceito nunca
encontrou eco entre os países ricos, permitindo que norte e sul,
ricos e pobres pudessem encontrar um novo patamar de relacionamento comercial,
mais justo e mais equânime.
O que se observa é um aproveitamento, um sugamento, uma exploração
dos mercados dos países emergentes, crédulos na liberalização
do mercado, que continuam enfrentando restrições diversas
para colocar seus produtos nos mercados mais ricos.
A inversão dos fluxos comerciais – tomemos o Mercosul, constituído
para melhorar a competitividade coletiva, onde as importações
provenientes dos EUA cresceram 70%, sem aumento correspondente de exportações.
Em relação
à União Européia, ao longo desta década, observou-se
um incremento de 24% nas exportações do Mercosul (menos de
3% ao ano). No contra fluxo, a União Européia aumentou em
nada menos do que 350% suas
exportações
para o Mercosul. Um crescimento de 24% ao ano! Na constituição
do bloco, ninguém imaginaria uma inversão de fluxo. Isso
significou, em 1997, um déficit do Mercosul com a EU de US$ 6 milhões,
enquanto antes da
liberalização
comercial, o superávit era de US$ 12 milhões.
A fórmula mágica é um segredo de polichinelo: reduza
as suas tarifas aduaneiras (as minhas não); elimine suas travas
burocráticas (eu as mantenho); nada de sobretaxas sobre as minhas
exportações (eu aplico nas suas); cotas de exportação,
uma heresia (não na minha religião); medidas sanitárias
apenas para proteger o consumidor (o meu consumidor será mais protegido);
subsídios à produção a à comercialização
nem morto (eu que sou vivo, manterei os meus).
Quero crer que caímos em um legítimo conto do vigário.
Passado quatro anos da criação da Organização
Mundial do Comércio, os prazos estabelecidos para a liberalização
do comércio foram integralmente obedecidos pelos mais
fracos, pelos países
pobres. A contrapartida dos países ricos sequer pintou no horizonte,
que continuam a impor barreiras comerciais aos nossos produtos e continuam
a subsidiar a sua produção.
Erramos ao agir unilateralmente, e agora o caminho de volta é árduo,
porque, para nós, seguramente valerão as regras comerciais
que impedem o aumento das alíquotas, o estabelecimento de cotas,
a introdução de sobretaxas, a criação de subsídios.
É
hora de abrir os olhos, denunciar a farsa que se desenha, organizar
os países que se sentem espoliados e começar a negociar uma
nova ordem para o comercio internacional. Ah, sim, da próxima vez
deixe o outro cumprir a lei primeiro!