Fonte: ESG
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Brasil: Eterno país do futuro
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 - Carlos Styllus -
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O autor analisa duas grandes necessidades atuais brasileiras: a inserção na economia mundial de
maneira coerente e uma urgente reestruturação sócio-econômica. E apresenta os problemas a enfrentar
para que o país realmente encontre seu caminho e se torne o "país do futuro".

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INTRODUÇÃO

    Todos nós ouvimos de nossos pais que o Brasil estava fadado a ser um grande país, no futuro. A nossa geração chegou a acreditar que enfim iria se cumprir o nosso destino, em face de um desenvolvimento continuado, por vários anos, que o país experimentava.
    Com efeito, embora poucos saibam, no século XX, até os anos 70, o Brasil foi o país que mais se desenvolveu, no mundo. Daí termos chegado, hoje, à condição de nona economia mundial.
    Este desenvolvimento, entretanto, não foi obra do acaso, mas resultou de um projeto concebido por brasileiros ilustres, verdadeiros estadistas, e que foi concretizado pelo esforço, e mesmo sacrifício, de todos os brasileiros.

    As realizações mais notáveis iniciaram-se com Getúlio Vargas que concebeu, deliberadamente, um projeto nacional ambicioso e criou toda uma infra-estrutura para levá-lo a bom termo, no sentido de forjar uma grande Nação. Este projeto teve continuidade com Juscelino Kubischek e foi retomado, com grande ênfase, persistência e êxito, pelos governos militares.
    O caminho para a prosperidade e o futuro foi, entretanto, interrompido na década de 80, que passou a ser conhecida, por esta razão, como a década perdida. E para desespero de todos nós, estamos para concluir a década de 90, com resultados ainda piores do que aqueles alcançados na década perdida.

    O Brasil passou a ser referido nos centros econômicos internacionais, ironicamente, como o eterno país do futuro.

    O período de estagnação que experimentamos, já por duas décadas, se superpõe a um quadro de grandes transformações por que passa o mundo. Transformações que resultam de forças motrizes poderosas como sejam: (1) o fim do comunismo e o surgimento de um mundo, economicamente multipolar, com uma única potência, politicamente dominante; (2) os avanços espetaculares da ciência e da tecnologia; (3) a globalização; (4) e a superpopulação.
    Estamos, portanto, em face de um duplo desafio que estão profundamente inter-relacionados: a retomada do desenvolvimento e a inserção em uma nova ordem econômica mundial.

    As duas questões são interdependentes. A inserção virtuosa na economia mundial não é possível sem a reorganização interna e esta deve ser realizada à luz de uma nova realidade mundial.
    Os esforços de reorganização social e econômica, em nosso país, têm se mostrado insuficientes, em face das resistências políticas e corporativas e da falta de um projeto nacional que tenha empolgado a sociedade.

    De outro lado, as tentativas que estão sendo realizadas, no sentido de inserir o país na nova realidade mundial, resultante das transformações acima mencionadas, têm sido concretizadas de uma forma improvisada e pouco competente, sem que se disponha, como já se disse, de um projeto nacional, que lhes dê rumo, coerência e eficácia.
    Como resultado de duas décadas de estagnação e do insucesso na tentativa de inserção na nova realidade mundial, pode-se observar um processo crescente de deterioração sócio-econômica do país, que está ameaçando seriamente o nosso futuro.
    Muitos acreditam que o país vive um momento crucial de sua história, no qual está sendo decidido o nosso destino. No entender destes analistas vivemos um momento em que ou resolvemos os nossos problemas e as nossas contradições e retomamos, como conseqüência, o caminho para nos tornarmos uma nação desenvolvida ou estaremos condenados a ingressar no rol das nações em crescente decadência em suas condições sócio-econômicas.

    A solução de nossos problemas não é uma questão trivial e que possa se resolver espontaneamente, ao sabor das forças econômicas. Estamos em face de uma realidade que ameaça a estabilidade e o futuro da Nação. A situação exige um grande esforço concentrado e que persista por vários anos, orientado por um projeto nacional, que conte com o consenso de toda a sociedade. É necessária a conjugação de todas as forças vivas da nação, o que só poderá ser alcançado se houver ,liminarmente, uma consciência, por parte das elites dirigentes, da gravidade do momento em que vivemos.
A conscientização de que estamos falando é uma tarefa absolutamente necessária e de responsabilidade de todos nós e esta comunicação é uma modesta e limitada contribuição neste sentido.
    Naturalmente, existem aqueles que acreditam que o momento difícil por que estamos passando reflete, apenas, as dores da evolução e das transformações decorrentes da nova realidade. Os que assim pensam atribuem nossas dificuldades, atuais, a não mais do que uma fase recessiva do ciclo econômico, que normalmente caracteriza o desenvolvimento dos povos, e que retornaremos, no devido tempo, a fase ascendente do ciclo.
    Sim, é certo que voltaremos a nos desenvolver, em algum momento. Mas a questão é a natureza deste desenvolvimento. Na interpretação acima, retornaremos ao desenvolvimento, porem segundo o mesmo paradigma atual de concentração de renda e de exclusão social, isto é, consubstanciado na existência de dois "Brasis", também chamado de Belíndia. Entretanto, quando falamos em um ponto crítico quanto ao nosso futuro, estamos nos referindo à mudança de paradigma que se faz necessária e ao redirecionamento de nosso desenvolvimento, no sentido de uma nação mais justa, moderna , desenvolvida e integrada à
comunidade internacional.

    Neste contexto, voltamos a afirmar que temos dois grandes desafios, interrelacionados, a enfrentar. : a inserção na economia mundial e a reestruturação sócio-econômica que se faz necessária ao país. A seguir, procuraremos abordar estas questões, de uma forma muito breve.
 

A INSERÇÃO NA ECONOMIA MUNDIAL

    Como já comentamos, o mundo passa por grandes transformações, em decorrência de forças motrizes poderosas como sejam : o fim do comunismo, o surgimento de um mundo economicamente multipolar com uma potência politicamente dominante, a revolução pós-industrial e a superpopulação.
    Os desenvolvimentos da ciência e da tecnologia aparecem neste quadro, como os elementos dinamizadores destas forças motrizes.
    Todos os países estão se orientando no sentido de se inserir nesta nova realidade, da maneira que lhes seja mais vantajosa.
    Manter-se alienado deste processo significa isolar-se do resto do mundo e ingressar no caminho da estagnação política, social e econômica. Mesmo a China comunista compreende que não é possível ausentar-se deste processo.
    Toda a dificuldade reside, entretanto, na maneira, na intensidade e na tempestividade desta inserção, para que não haja, como
decorrência, conseqüências perniciosas e indesejáveis.
    Cada país, em função de sua cultura, instituições e realidade política, social e econômica tem seu próprio caminho, para alcançar uma inserção virtuosa nesta nova realidade.
    O Brasil, lamentavelmente, não tem dado a esta questão a importância que ela merece. Nem mesmo temos a plena compreensão se seu significado vital e de sua extrema complexidade, que não admite interpretações simplificadoras e reducionistas. Entretanto, alguns simplesmente negam a necessidade desta inserção, com a alegação de que se trata de uma imposição das grandes potências econômicas, visando a atingir seus próprios interesses.
    Outros ficam fascinados pelo que chamam, genericamente, de globalização e sugerem, simplesmente, que nos entreguemos a ela sem restrições, com total abertura comercial, financeira e tecnológica.
    São duas interpretações simplistas, extremadas e equivocadas na sua essência. A globalização, chamemos assim, é um processo abrangente e complexo que se constitui na síntese de vários fenômenos que vem ocorrendo, no tempo. Compreende, deste modo, a continuação de um processo histórico de internacionalização de interesses econômicos e do comércio, de polarização ideológica da guerra fria, tudo agora dinamizado pelos espetaculares avanços da ciência e da tecnologia, especialmente da informação, da comunicação e do transporte.
    A inserção é uma contingência histórica e mesmo os países mais extremistas já conscientizaram este fato. Entretanto, esta inserção deve ser levada a termo segundo um processo planejado que, em cada caso, em cada setor, e em cada momento, analise a maneira, a intensidade e a oportunidade, no tempo, da referida inserção.
    Começamos mal este processo, pela abertura irresponsável do governo Collor e o levantamento exagerado e indiscriminado das barreiras alfandegárias nos governos seguintes.
    Atualmente, há uma certa perplexidade com o surgimento de conseqüências perversas para a economia e a sociedade, em função dos erros cometidos e da incompreensão do processo da globalização.

    Chegamos ao momento crucial de que falamos anteriormente. Nesta conjuntura, novos equívocos poderão ter conseqüências irreversíveis para o nosso futuro.

 
A REESTRUTURAÇÃO NECESSÁRIA

    Seja qual for a interpretação que se dê ao momento atual, acreditamos que todos concordam que não é mais possível persistir na trajetória que temos percorrido nas últimas décadas.
    Torna-se absolutamente necessário que retomemos o processo de desenvolvimento, sob risco de uma ruptura social. Este processo, entretanto, deve obedecer a um paradigma completamente diferente do atual, que contempla uma exclusão social intolerável, que começa a atingir a classe média baixa. É inaceitável que o país tenha atingido o nível de nona economia mundial com um enorme contingente de pessoas no mais baixo nível de pobreza.

    Os desafios são enormes, e a seguir apresentamos uma visão sucinta dos problemas a enfrentar para que o país venha a reencontrar o seu destino.

 
1. A concentração de renda

    De acordo com a UNESCO, o Brasil é o país que, no mundo, apresenta a maior disparidade de renda. Dez por cento da população se apropria de 50% da renda, enquanto os 40% mais pobres ficam apenas com 8%.
    Estamos em pior situação que o Senegal e Zimbawe.
    O Salário Mínimo é o mais baixo da América Latina e representa ¼ do valor aquisitivo que tinha quando foi instituído por Getúlio Vargas.
    Quarenta milhões de brasileiros vivem na maior pobreza, sendo que a metade destes em pobreza absoluta. E não há qualquer esperança à vista, pois os níveis de concentração de renda continuam a crescer a cada ano.
    São milhões de brasileiros que não têm nem mesmo onde morar e o que comer. As deficiências protéicas estão dando margem ao surgimento de um grande segmento populacional mentalmente deficiente.
    O resultado de tudo isto é a pobreza, a marginalidade, a favelização e a criminalidade.
    Este é o desafio gigantesco que temos pela frente, em que um terço dos brasileiros se assemelham cada vez mais às populações mais pobres dos estados africanos.

    Somos um dos países mais desumanos do mundo.
 

2. O crescimento demográfico

    As taxas de natalidade no país, ainda, são muito elevadas. A sua repercussão no crescimento demográfico não é mais sensível, em face da mortalidade infantil, que no momento se aproxima das mais altas do mundo.
    Para agravar a situação, estas taxas de natalidade são extremamente altas, justamente nos setores economicamente menos favorecidos e entre a população de mais baixa renda.
    A taxa de natalidade entre meninas de 10 a 14 anos, mães solteiras, dobrou nos últimos dez anos, aumentando o contingente de famélicos e desempregados.
    Este é o desafio com que nos deparamos atualmente e qualquer ação no sentido de redução da natalidade pela promoção da paternidade responsável, encontra resistência na Igreja e nos setores mais conservadores da sociedade com ressonância nos interesses políticos subalternos.
    A cada ano, nascem 3 milhões de brasileiros. Numa avaliação conservadora, é necessário, em média, R$ 200.000,00 (Duzentos mil reais) em termos de alojamento, alimentação, educação, saúde etc para conduzir cada um desses brasileiros à idade e ao nível de qualificação para se integrarem ao sistema produtivo (nos EUA – US$ 250.000,00 per capita). Sendo assim, precisamos reservar 600 bilhões de reais, anualmente, para atender ao crescimento populacional e a integração econômica do mesmo. Qualquer um pode concluir que isto é impossível e o resultado é um só, pessoas sem teto, sem alimento, sem educação, sem contribuição ao sistema produtivo e, por outro lado, grande participação na marginalidade e no
crime.

    Este é o desafio que temos que vencer antes que irremediavelmente ingressemos no quarto mundo das nações irrecuperáveis.

 
3. A questão educacional

    Vivemos o início da revolução da informação e do conhecimento.Revolução que, calcada no desenvolvimento da ciência e tecnologia, deu surgimento a grandes modificações na produção e comercialização de bens e serviços, com profundas transformações sócio-econômicas.
    Presenciamos a transformação da indústria, a reformulação do emprego, o colapso da seguridade social e mudanças significativas no comportamento humano. Estas transformações ocorrem, simultaneamente, com o surgimento de um mundo multipolar, em termos econômicos, num quadro de globalização, financeira e comercial.
    Se todas estas modificações se concretizaram com base na informação e no conhecimento, somente a educação será capaz de nos preparar para enfrentar esta nova realidade, pois a educação é a base daqueles conceitos.
    Sem a educação estaremos incapacitados a atender à atual flexibilização dos empregos, à inserção na nova economia mundial e mesmo ao usufruto dos novos produtos e procedimentos resultantes desta nova revolução industrial e da globalização. Somente a educação irá proporcionar a possibilidade do controle demográfico, da ascensão social, da diminuição da concentração de renda e do desenvolvimento.
    De tudo o que se disse, pode-se compreender facilmente o desafio que temos pela frente, em face da precária situação da educação no país.
    Basta mencionar que 20% da população, acima de 15 anos, é analfabeta. Cerca de 50% da nossa mão-de-obra não completou o curso primário. Apenas 10% dos empregados possuem o curso superior.
    Contamos com apenas 3 engenheiros por cada 10.000 empregados, enquanto que na Coréia são 32 e nos Estados Unidos 160.
    De outro lado, o ensino no Brasil deixa muito a desejar em todos os níveis. Apenas recentemente se pensa em reformá-lo para adaptá-lo a nova realidade. O ensino profissionalizante e de nível médio é, extremamente, precário e o de nível superior não atende às solicitações do mercado.
    Apesar de todas as deficiências, os recursos destinados à educação e cultura foram reduzidos no período de 1995-98 em 20%.

    Pode-se concluir, facilmente, que a menos que haja uma modificação dramática no quadro acima, não temos a mais remota possibilidade de superar os desafios que se põem ao país, neste momento crucial de nossa história.
 
 

4. Infra-estrutura

    A infra-estrutura é o elemento essencial para o desenvolvimento do país. Entretanto, os setores de transporte e de comunicações, praticamente, não se desenvolveram nos últimos 20 anos e o setor energético cresceu em nível inferior ao que seria necessário, só não tendo colapsado, ironicamente, porque o país estagnou, neste últimos 20 anos.

 
Energia

    O setor de energia elétrica está trabalhando na faixa de risco, com apenas 5% de reserva, o que representa um terço do que se recomenda tecnicamente. Nos próximos anos, a necessidade de racionamento de energia é uma hipótese muito provável.
    Em face da privatização do setor elétrico, a estratégia adotada é de que cabe ao setor privado prever o crescimento do setor, com no mínimo, 6 anos de antecedência, que é o tempo para se construir uma hidrelétrica. Com base nesta previsão, é que o próprio setor privado irá se propor a fazer os investimentos necessários para que venhamos a dispor da energia e das linhas de transmissão necessárias, tudo no devido tempo. Tratam-se de investimentos de grande monta a serem feitos, sem retorno, por um prazo de 05 a 06 anos. Também a eletrificação do campo, em geral deficitária, ficaria a cargo do setor. Diga-se, a guisa de
esclarecimento, que 40 milhões de brasileiros desconhecem os benefícios da energia elétrica.

    Pois bem, esta é a aposta feita no setor privado e o prêmio ou a perda é o futuro do país.
 

Transporte

    A rede rodoviária, praticamente, não cresce há mais de vinte anos e está significativamente deteriorada. Apenas 8% das rodovias são asfaltadas, enquanto na Argentina, por exemplo, este percentual é de 23%.
    A rede ferroviária está deteriorada e encolhendo ano a ano. Sua extensão é, ridiculamente, pequena, cerca de 30.000 Km, igual a da Argentina um país que tem 1/3 da extensão do nosso.
    A frota marítima e os estaleiros brasileiros estão reduzidos a sua expressão mínima. O transporte marítimo que já foi de 40% com bandeira nacional, hoje não chega a 5%. Nos EUA, a navegação de cabotagem se faz, por lei, em navios americanos e com equipagem americana.

 
Comunicações

    O Sistema de Comunicação está praticamente privatizado. O que se pode dizer é que os desafios são enormes, basta mencionar que o número de telefones por habitantes do país é de 1 para 15. Na Argentina, para comparar, é de 1 para 10.
    O futuro das comunicações contempla o estabelecimento de infovias, mas a este respeito nada está definido no país.
 

5. A Questão Tributária

    A questão tributária no país é de uma gravidade tal que é espantoso que nada seja feito a respeito.
    Das quinhentas maiores empresas do país, 50%, simplesmente, não pagam impostos. Os maiores bancos do país, em 40% dos casos, não pagam impostos.
    A sonegação de imposto no país é estimada em 50%.
    De outro lado, o cidadão é tributado em níveis incrivelmente altos, especialmente os assalariados. Para exemplificar, um cidadão brasileiro, casado com 2 filhos que receba R$ 3.000,00 por mês, paga o dobro de imposto de renda que pagaria um cidadão americano (EUA) que recebesse um salário correspondente. Entretanto, se o salário for de R$ 20.000,00 por mês, o cidadão brasileiro pagará menos que o americano, em situação semelhante.
    A evasão de recursos para o exterior de forma irregular atingem, como apurou uma Comissão Parlamentar de Inquérito, a bilhões de dólares. Parte desses recursos voltam ao país como investimento estrangeiro, sem pagamento de imposto.
 

6. O Deficit Social

    Além da concentração de renda, pode-se apontar alguns itens que espelham o gigantesco déficit social com o povo brasileiro.
 

Previdência Social

    A Previdência Social criada com vistas à aposentadoria foi estendida à seguridade social, incluindo saúde e outros benefícios. Inicialmente se previa a participação paritária do empregado, empregador e governo, sendo que este, desde logo, se eximiu de contribuir. Posteriormente, os recursos da Previdência foram desviados para a construção de Brasília, da Transamazônica etc. A Previdência, de outro lado, sofreu toda sorte de desvios ilegais e fraudes de toda ordem. Foram criadas aposentadorias milionárias de R$ 30.000,00 e mais (nos E.U. o teto é de apenas US$ 1.600,00).
    Some-se a isso, a inclusão do empregado agrícola na Previdência, sendo que o mesmo nunca tenha contribuído para a mesma. Uma série de empregadores foram generosamente perdoados de suas dívidas com o INSS, em milhões e milhões de reais.
    Em função de todos estes descalabros a Previdência quebrou, vindo a onerar as contas do governo.

    Temos, portanto, um desafio enorme, que vem a ser a regularização da questão previdenciária, que de tão complexa parece insolúvel..

 
Saúde

    A baixa renda, a desnutrição, as condições sanitárias, a alta natalidade, os custos crescentes da medicina, tudo concorre para o colapso da saúde no país. O número de internações é crescente e chega a 16 milhões por ano. O Brasil é um dos países de maior mortalidade infantil do mundo, só ficando a frente dos países pobres africanos. Cerca de 25% das crianças na escola, no norte-nordeste, sofrem de desnutrição.
    As doenças infecto-contagiosas, chamadas de doenças da pobreza, estão aumentando no país, tais como a malária, a hepatite, a dengue, a esquistossomose, a doença de Chagas e até a tuberculose, que está recrudescendo no país. Estima-se em torno de 40 milhões o número de pessoas atingidas por doenças infecciosas no país.
    A situação da saúde no Brasil é preocupante e tende a se agravar em função do aumento da pobreza, do desemprego e da estagnação econômica.

    Pode-se concluir, portanto, que temos um desafio imenso a vencer também neste setor da realidade brasileira.
 

Habitação

    A questão habitacional se agrava a cada ano e a favelização, agora não só nas grandes cidades, é crescente. Estima-se um déficit habitacional de cerca de 12 milhões de habitações. Nos países que por razões diversas, inclusive guerras, tiveram um grave déficit habitacional esta questão foi enfrentada inclusive pela ação de ministérios criados com essa responsabilidade. No Brasil um programa neste sentido que contava com um Banco Nacional de Habitação foi simplesmente extinto.

    A dimensão deste desafio e os custos que ele envolve, são preocupações a acrescentar quando se pensa no futuro do país.

 
Desemprego

    O crescimento demográfico, sem o desenvolvimento correspondente do país, e os avanços da tecnologia, eliminando postos de trabalhos, estão conduzindo o país a taxas crescentes de desemprego. Esta é, hoje, a maior preocupação do povo brasileiro, aliada às questões de segurança.
    A taxa de desemprego já excede a 8% da força de trabalho, sendo que em São Paulo aproxima-se dos 20%. A situação é explosiva e concorre para a pobreza, a falta de saúde e a criminalidade.
    O problema é mais grave por não contarmos, como ocorre em outros países, com um seguro desemprego adequado.

    Este é mais um desafio a vencer e cuja solução depende, diretamente, do desenvolvimento do país, sendo qualquer outra medida mero paliativo.

 
7. O Setor agropecuário

    Existe um conceito unânime, de que o Brasil com a área agricultável que possui, o clima e a disponibilidade de água que desfruta poderia ser um dos maiores produtores de produtos agropecuários, com capacidade de alimentar o seu povo e exportar o excedente.
    A realidade entretanto é bem outra.
    Em 1998, importamos trigo, milho, arroz, o feijão e os níveis de desnutrição da população se acentuaram. Enquanto a Argentina, por exemplo, aumentou a sua produção em grãos em 60% nos últimos 5 anos, nós mantemos, há mais de 10 anos, uma produção em torno de 75 milhões de toneladas. Por incrível que pareça, esta é a aproximadamente a produção argentina com a metade das terras agricultáveis. De outro lado, os índices de produtividade e de qualidade de nossos produtos são insatisfatórios, o que é mais uma dificuldade para que sejamos um grande exportador de produtos agropecuários, o que poderia ser de grande ajuda para a nossa balança comercial, elemento essencial ao desenvolvimento do país.

 
8. O Setor Industrial

    O país depois de ter desenvolvido uma engenharia qualificada, com capacidade de competição no exterior, e uma indústria diversificada e muito ativa no setor produtivo, se depara hoje, com grandes dificuldades nestas duas áreas de atividades.
    Com efeito, a engenharia após ter sido reduzida sensivelmente, sobretudo em face da diminuição drástica na execução de obras de infra-estrutura, se encontra presentemente em grandes dificuldades econômicas e tecnológicas.
    A indústria, por sua vez, a par da redução das encomendas, em virtude da redução do crescimento, enfrenta uma competição externa agressiva decorrente da abertura não planejada do mercado.
    As conseqüências de uma abertura indiscriminada, aliada a uma sobrevalorização do dolar e a juros estratosféricos foram extremamente penosas para a indústria e a recuperação do setor será uma tarefa difícil de empreender.
    A nacionalização dos automóveis caiu ao nível de 30/40%, quando já chegou a 70%. Como conseqüência, a indústria de autopeças está em crise, com o desemprego conseqüente. De outro lado, observa-se um processo de desnacionalização da indústria, sendo que cerca de 500 empresas de porte já foram desnacionalizadas nos últimos 10 anos.

 
9. A Corrupção

    A corrupção no país atinge a níveis insuportáveis. Não há um setor de atividade que, investigado a fundo, não apresente toda sorte de irregularidades.

    Quais as razões de termos chegado a esta situação constrangedora? Será a pobreza, a impunidade, a educação, as precárias condições sociais, as desigualdades, o desemprego, a herança colonial, a questão cultural? Possivelmente uma conjunção de todos estes fatores, o que dá a medida do desafio a enfrentar. O que espanta é a tolerância com a corrupção. Os corruptos convivem tranqüilamente com as pessoas de bem, sem se intimidar e até com arrogância. Não há um repúdio a essas pessoas e ninguém denuncia ninguém. É temerário fazê-lo, seriam considerados dedos-duros.
    E o que é mais preocupante e vergonhoso mesmo, é que as pessoas de bem, que são maioria, estão intimidadas por uma minoria ousada. A maioria das pessoas perdeu capacidade de se indignar e aceita, passivamente, as situações mais constrangedoras, em seus locais de trabalho, no seu dia a dia.

    De outro lado, ninguém fiscaliza ninguém. A fiscalização mesmo por aqueles que têm obrigação de fazê-lo é considerado algo indigno, coisa de autoritarismo, de perseguição. Seria impensável destituir, punir alguém por que um subordinado seu repetida e claramente agiu delituosamente. Desta forma, é perfeitamente possível a alguém agir com desonestidade, por longo tempo, quase que abertamente, sem ser incomodado por ninguém. É a certeza da impunidade.
    É evidente que a corrupção existe em todos os países. Mas o que espanta e revolta é a extensão e profundidade com que ela ocorre no Brasil. E mais, o clima de impunidade e a ousadia com que agem os corruptos, quase que abertamente e intimidando as pessoas de bem.
    Como conseqüência, temos um país praticamente de cabeça para baixo. Os juizes de quem se espera equilíbrio, isenção e justiça, estão sendo acusados de roubo, seqüestro de crianças, conivência com o narcotráfico.
    Nos hospitais, de onde se espera a cura e a salvação dos doentes estamos assistindo o descaso, a irresponsabilidade e mesmo o assassinato dos pacientes. Os medicamentos, que poderiam representar a esperança de cura das inúmeras doenças, estão sendo falsificados em larga escala.
    A polícia, que deveria representar a segurança dos cidadãos, está extorquindo, roubando e matando.
    A escola, que deveria instruir e ensinar, está em larga escala, se transformando em negócio muito lucrativo, sem qualquer compromisso com a educação.
    A política, que deveria ser instrumento do bem comum se transformou em um balcão de barganha e de interesse pessoal, com grandes rendimentos para os políticos.
    A televisão, que deveria instruir e educar, apresenta em escala crescente programas de baixo nível, disseminando valores e procedimentos reprováveis.
    O sistema financeiro se transformou num grande cassino, onde se constroem grandes fortunas, imediatamente enviadas ao exterior, sem fiscalização e sem risco, pois o governo cobre eventuais possíveis prejuízos.
    Um segmento expressivo das instituições religiosas, que conduziriam à salvação da alma, se transformou apenas num negócio lucrativo.

    As conseqüências danosas para o país, decorrentes da corrupção generalizada, vão muito além do que se possa imaginar.  Marvin Zonis, da universidade de Chicago, afirma que a corrupção é o principal fator que contribuí isoladamente para a instabilidade política e o retrocesso econômico nos países emergentes. A corrupção produz, inevitavelmente, a crise política.

    A corrupção é, ao mesmo tempo, importante causa e efeito de todas as disfunções que foram mencionados anteriormente. Decorre daí o desafio imenso que representa a redução dramática da corrupção e a valorização do procedimento correto, como condição primeira para que o país escape de um futuro melancólico.
 

CONCLUSÃO

    Qualquer analista que avalie, com isenção, a conjuntura brasileira não poderá deixar de concluir que vivemos um momento delicado de nossa história. Estamos em face de uma encruzilhada, ou nos sensibilizamos para mudar, drasticamente, a situação atual e nos orientamos no sentido de vencer os graves desafios que se nos oferecem ou o país mergulhará no caminho de sua própria desagregação sócio-econômica.
    O primeiro passo a ser dado é a conscientização de todos, sobretudo das elites dirigentes, para a gravidade do momento. Os pobres e excluídos já têm esta consciência, pois sofrem duramente os efeitos de uma realidade perversa.
    Em seguida, é preciso que todos estejam conscientes de que as nossas dificuldades decorrem, fundamentalmente, da nossa acomodação, improbidade, incompetência e, sobretudo, falta do espírito de vencer as nossas vicissitudes e de construir uma sociedade mais justa e próspera.
    É imprescindível deixar de lado, definitivamente, o erro de atribuir a nossa cultura, a nosso passado ou a terceiros, a origem de nossas dificuldades, insucessos e descaminhos.
    Conscientizada a gravidade da situação, se faz necessário que a nação se mobilize na busca dos dois objetivos mencionados: o desenvolvimento segundo um paradigma de inclusão social e a inserção inteligente e programada na nova ordem mundial. São objetivos interdependentes, como já se disse, e que requerem para o seu atendimento inúmeras ações a serem coordenadas pelo governo segundo um Projeto Nacional, concebido em consonância com a sociedade e levado a termo com determinação e persistência, por muitos e muitos anos. É ilusório pensar-se que as transformações necessárias possam ocorrer aleatoriamente, ao sabor das forças de mercado e das contingências mundiais. Necessitamos de um projeto à semelhança
daquele perseguido, por mais de um século, por governos dos Estados Unidos e que levaram aquele país à condição de primeira potência mundial; a semelhança daqueles que conduziram a Alemanha e o Japão à condição de potências ricas e poderosas, ressurgindo das cinzas da derrota e da destruição da Segunda Guerra; à semelhança daquele que levou a Coréia do Sul à condição de país desenvolvido, a partir de uma renda per capita de U$ 100 dólares, em 1964, a U$ 10.000 dólares, recentemente.
    Faz-se necessário que a sociedade se sensibilize no sentido de pressionar e exigir das lideranças e das elites nacionais que empreendam um Projeto Nacional, no sentido de conduzir o país ao encontro do seu futuro. Um projeto desta natureza, por sua extensão e complexidade, exige uma equipe de governo composta por homens de ação e de grande competência. Nada será alcançado se o mesmo ficar dependente de pessoas não qualificadas e de acertos e acomodações para atender a interesses políticos menores.

    Não podemos deixar de reconhecer que a conjugação de todos os fatores mencionados anteriormente é muito difícil de se obter. Tenhamos confiança, entretanto, que o país irá reencontrar o seu caminho e tornar-se-á, num futuro próximo, realmente, um país desenvolvido e socialmente justo.

 
* O autor é Chefe da Divisão de Assuntos de Ciência e Tecnologia da Escola Superior de Guerra

 


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