Todos nós ouvimos
de nossos pais que o Brasil estava fadado a ser um grande país,
no futuro. A nossa geração chegou a acreditar que enfim iria
se cumprir o nosso destino, em face de um desenvolvimento continuado, por
vários anos, que o país experimentava.
Com efeito, embora
poucos saibam, no século XX, até os anos 70, o Brasil foi
o país que mais se desenvolveu, no mundo. Daí termos chegado,
hoje, à condição de nona economia mundial.
Este desenvolvimento,
entretanto, não foi obra do acaso, mas resultou de um projeto concebido
por brasileiros ilustres, verdadeiros estadistas, e que foi concretizado
pelo esforço, e mesmo sacrifício, de todos os brasileiros.
As realizações
mais notáveis iniciaram-se com Getúlio Vargas que concebeu,
deliberadamente, um projeto nacional ambicioso e criou toda uma infra-estrutura
para levá-lo a bom termo, no sentido de forjar uma grande Nação.
Este projeto teve continuidade com Juscelino Kubischek e foi retomado,
com grande ênfase, persistência e êxito, pelos governos
militares.
O caminho para a prosperidade
e o futuro foi, entretanto, interrompido na década de 80, que passou
a ser conhecida, por esta razão, como a década perdida. E
para desespero de todos nós, estamos para concluir a década
de 90, com resultados ainda piores do que aqueles alcançados na
década perdida.
O Brasil passou a ser referido nos centros econômicos internacionais, ironicamente, como o eterno país do futuro.
O período de
estagnação que experimentamos, já por duas décadas,
se superpõe a um quadro de grandes transformações
por que passa o mundo. Transformações que resultam de forças
motrizes poderosas como sejam: (1) o fim do comunismo e o surgimento de
um mundo, economicamente multipolar, com uma única potência,
politicamente dominante; (2) os avanços espetaculares da ciência
e da tecnologia; (3) a globalização; (4) e a superpopulação.
Estamos, portanto,
em face de um duplo desafio que estão profundamente inter-relacionados:
a retomada do desenvolvimento e a inserção em uma nova ordem
econômica mundial.
As duas questões
são interdependentes. A inserção virtuosa na economia
mundial não é possível sem a reorganização
interna e esta deve ser realizada à luz de uma nova realidade mundial.
Os esforços
de reorganização social e econômica, em nosso país,
têm se mostrado insuficientes, em face das resistências políticas
e corporativas e da falta de um projeto nacional que tenha empolgado a
sociedade.
De outro lado, as tentativas
que estão sendo realizadas, no sentido de inserir o país
na nova realidade mundial, resultante das transformações
acima mencionadas, têm sido concretizadas de uma forma improvisada
e pouco competente, sem que se disponha, como já se disse, de um
projeto nacional, que lhes dê rumo, coerência e eficácia.
Como resultado de duas
décadas de estagnação e do insucesso na tentativa
de inserção na nova realidade mundial, pode-se observar um
processo crescente de deterioração sócio-econômica
do país, que está ameaçando seriamente o nosso futuro.
Muitos acreditam que
o país vive um momento crucial de sua história, no qual está
sendo decidido o nosso destino. No entender destes analistas vivemos um
momento em que ou resolvemos os nossos problemas e as nossas contradições
e retomamos, como conseqüência, o caminho para nos tornarmos
uma nação desenvolvida ou estaremos condenados a ingressar
no rol das nações em crescente decadência em suas condições
sócio-econômicas.
A solução
de nossos problemas não é uma questão trivial e que
possa se resolver espontaneamente, ao sabor das forças econômicas.
Estamos em face de uma realidade que ameaça a estabilidade e o futuro
da Nação. A situação exige um grande esforço
concentrado e que persista por vários anos, orientado por um projeto
nacional, que conte com o consenso de toda a sociedade. É necessária
a conjugação de todas as forças vivas da nação,
o que só poderá ser alcançado se houver ,liminarmente,
uma consciência, por parte das elites dirigentes, da gravidade do
momento em que vivemos.
A conscientização de que
estamos falando é uma tarefa absolutamente necessária e de
responsabilidade de todos nós e esta comunicação é
uma modesta e limitada contribuição neste sentido.
Naturalmente, existem
aqueles que acreditam que o momento difícil por que estamos passando
reflete, apenas, as dores da evolução e das transformações
decorrentes da nova realidade. Os que assim pensam atribuem nossas dificuldades,
atuais, a não mais do que uma fase recessiva do ciclo econômico,
que normalmente caracteriza o desenvolvimento dos povos, e que retornaremos,
no devido tempo, a fase ascendente do ciclo.
Sim, é certo
que voltaremos a nos desenvolver, em algum momento. Mas a questão
é a natureza deste desenvolvimento. Na interpretação
acima, retornaremos ao desenvolvimento, porem segundo o mesmo paradigma
atual de concentração de renda e de exclusão social,
isto é, consubstanciado na existência de dois "Brasis", também
chamado de Belíndia. Entretanto, quando falamos em um ponto crítico
quanto ao nosso futuro, estamos nos referindo à mudança de
paradigma que se faz necessária e ao redirecionamento de nosso desenvolvimento,
no sentido de uma nação mais justa, moderna , desenvolvida
e integrada à
comunidade internacional.
Neste contexto, voltamos
a afirmar que temos dois grandes desafios, interrelacionados, a enfrentar.
: a inserção na economia mundial e a reestruturação
sócio-econômica que se faz necessária ao país.
A seguir, procuraremos abordar estas questões, de uma forma muito
breve.
A INSERÇÃO NA ECONOMIA MUNDIAL
Como já comentamos,
o mundo passa por grandes transformações, em decorrência
de forças motrizes poderosas como sejam : o fim do comunismo, o
surgimento de um mundo economicamente multipolar com uma potência
politicamente dominante, a revolução pós-industrial
e a superpopulação.
Os desenvolvimentos
da ciência e da tecnologia aparecem neste quadro, como os elementos
dinamizadores destas forças motrizes.
Todos os países
estão se orientando no sentido de se inserir nesta nova realidade,
da maneira que lhes seja mais vantajosa.
Manter-se alienado
deste processo significa isolar-se do resto do mundo e ingressar no caminho
da estagnação política, social e econômica.
Mesmo a China comunista compreende que não é possível
ausentar-se deste processo.
Toda a dificuldade
reside, entretanto, na maneira, na intensidade e na tempestividade desta
inserção, para que não haja, como
decorrência, conseqüências
perniciosas e indesejáveis.
Cada país, em
função de sua cultura, instituições e realidade
política, social e econômica tem seu próprio caminho,
para alcançar uma inserção virtuosa nesta nova realidade.
O Brasil, lamentavelmente,
não tem dado a esta questão a importância que ela merece.
Nem mesmo temos a plena compreensão se seu significado vital e de
sua extrema complexidade, que não admite interpretações
simplificadoras e reducionistas. Entretanto, alguns simplesmente negam
a necessidade desta inserção, com a alegação
de que se trata de uma imposição das grandes potências
econômicas, visando a atingir seus próprios interesses.
Outros ficam fascinados
pelo que chamam, genericamente, de globalização e sugerem,
simplesmente, que nos entreguemos a ela sem restrições, com
total abertura comercial, financeira e tecnológica.
São duas interpretações
simplistas, extremadas e equivocadas na sua essência. A globalização,
chamemos assim, é um processo abrangente e complexo que se constitui
na síntese de vários fenômenos que vem ocorrendo, no
tempo. Compreende, deste modo, a continuação de um processo
histórico de internacionalização de interesses econômicos
e do comércio, de polarização ideológica da
guerra fria, tudo agora dinamizado pelos espetaculares avanços da
ciência e da tecnologia, especialmente da informação,
da comunicação e do transporte.
A inserção
é uma contingência histórica e mesmo os países
mais extremistas já conscientizaram este fato. Entretanto, esta
inserção deve ser levada a termo segundo um processo planejado
que, em cada caso, em cada setor, e em cada momento, analise a maneira,
a intensidade e a oportunidade, no tempo, da referida inserção.
Começamos mal
este processo, pela abertura irresponsável do governo Collor e o
levantamento exagerado e indiscriminado das barreiras alfandegárias
nos governos seguintes.
Atualmente, há
uma certa perplexidade com o surgimento de conseqüências perversas
para a economia e a sociedade, em função dos erros cometidos
e da incompreensão do processo da globalização.
Chegamos ao momento crucial de que falamos anteriormente. Nesta conjuntura, novos equívocos poderão ter conseqüências irreversíveis para o nosso futuro.
A REESTRUTURAÇÃO
NECESSÁRIA
Seja qual for a interpretação
que se dê ao momento atual, acreditamos que todos concordam que não
é mais possível persistir na trajetória que temos
percorrido nas últimas décadas.
Torna-se absolutamente
necessário que retomemos o processo de desenvolvimento, sob risco
de uma ruptura social. Este processo, entretanto, deve obedecer a um paradigma
completamente diferente do atual, que contempla uma exclusão social
intolerável, que começa a atingir a classe média baixa.
É inaceitável que o país tenha atingido o nível
de nona economia mundial com um enorme contingente de pessoas no mais baixo
nível de pobreza.
Os desafios são enormes, e a seguir apresentamos uma visão sucinta dos problemas a enfrentar para que o país venha a reencontrar o seu destino.
1. A concentração de
renda
De acordo com a UNESCO,
o Brasil é o país que, no mundo, apresenta a maior disparidade
de renda. Dez por cento da população se apropria de 50% da
renda, enquanto os 40% mais pobres ficam apenas com 8%.
Estamos em pior situação
que o Senegal e Zimbawe.
O Salário Mínimo
é o mais baixo da América Latina e representa ¼ do
valor aquisitivo que tinha quando foi instituído por Getúlio
Vargas.
Quarenta milhões
de brasileiros vivem na maior pobreza, sendo que a metade destes em pobreza
absoluta. E não há qualquer esperança à vista,
pois os níveis de concentração de renda continuam
a crescer a cada ano.
São milhões
de brasileiros que não têm nem mesmo onde morar e o que comer.
As deficiências protéicas estão dando margem ao surgimento
de um grande segmento populacional mentalmente deficiente.
O resultado de tudo
isto é a pobreza, a marginalidade, a favelização e
a criminalidade.
Este é o desafio
gigantesco que temos pela frente, em que um terço dos brasileiros
se assemelham cada vez mais às populações mais pobres
dos estados africanos.
Somos um dos países
mais desumanos do mundo.
2. O crescimento demográfico
As taxas de natalidade
no país, ainda, são muito elevadas. A sua repercussão
no crescimento demográfico não é mais sensível,
em face da mortalidade infantil, que no momento se aproxima das mais altas
do mundo.
Para agravar a situação,
estas taxas de natalidade são extremamente altas, justamente nos
setores economicamente menos favorecidos e entre a população
de mais baixa renda.
A taxa de natalidade
entre meninas de 10 a 14 anos, mães solteiras, dobrou nos últimos
dez anos, aumentando o contingente de famélicos e desempregados.
Este é o desafio
com que nos deparamos atualmente e qualquer ação no sentido
de redução da natalidade pela promoção da paternidade
responsável, encontra resistência na Igreja e nos setores
mais conservadores da sociedade com ressonância nos interesses políticos
subalternos.
A cada ano, nascem
3 milhões de brasileiros. Numa avaliação conservadora,
é necessário, em média, R$ 200.000,00 (Duzentos mil
reais) em termos de alojamento, alimentação, educação,
saúde etc para conduzir cada um desses brasileiros à idade
e ao nível de qualificação para se integrarem ao sistema
produtivo (nos EUA – US$ 250.000,00 per capita). Sendo assim, precisamos
reservar 600 bilhões de reais, anualmente, para atender ao crescimento
populacional e a integração econômica do mesmo. Qualquer
um pode concluir que isto é impossível e o resultado é
um só, pessoas sem teto, sem alimento, sem educação,
sem contribuição ao sistema produtivo e, por outro lado,
grande participação na marginalidade e no
crime.
Este é o desafio que temos que vencer antes que irremediavelmente ingressemos no quarto mundo das nações irrecuperáveis.
3. A questão educacional
Vivemos o início
da revolução da informação e do conhecimento.Revolução
que, calcada no desenvolvimento da ciência e tecnologia, deu surgimento
a grandes modificações na produção e comercialização
de bens e serviços, com profundas transformações sócio-econômicas.
Presenciamos a transformação
da indústria, a reformulação do emprego, o colapso
da seguridade social e mudanças significativas no comportamento
humano. Estas transformações ocorrem, simultaneamente, com
o surgimento de um mundo multipolar, em termos econômicos, num quadro
de globalização, financeira e comercial.
Se todas estas modificações
se concretizaram com base na informação e no conhecimento,
somente a educação será capaz de nos preparar para
enfrentar esta nova realidade, pois a educação é a
base daqueles conceitos.
Sem a educação
estaremos incapacitados a atender à atual flexibilização
dos empregos, à inserção na nova economia mundial
e mesmo ao usufruto dos novos produtos e procedimentos resultantes desta
nova revolução industrial e da globalização.
Somente a educação irá proporcionar a possibilidade
do controle demográfico, da ascensão social, da diminuição
da concentração de renda e do desenvolvimento.
De tudo o que se disse,
pode-se compreender facilmente o desafio que temos pela frente, em face
da precária situação da educação no
país.
Basta mencionar que
20% da população, acima de 15 anos, é analfabeta.
Cerca de 50% da nossa mão-de-obra não completou o curso primário.
Apenas 10% dos empregados possuem o curso superior.
Contamos com apenas
3 engenheiros por cada 10.000 empregados, enquanto que na Coréia
são 32 e nos Estados Unidos 160.
De outro lado, o ensino
no Brasil deixa muito a desejar em todos os níveis. Apenas recentemente
se pensa em reformá-lo para adaptá-lo a nova realidade. O
ensino profissionalizante e de nível médio é, extremamente,
precário e o de nível superior não atende às
solicitações do mercado.
Apesar de todas as
deficiências, os recursos destinados à educação
e cultura foram reduzidos no período de 1995-98 em 20%.
Pode-se concluir, facilmente,
que a menos que haja uma modificação dramática no
quadro acima, não temos a mais remota possibilidade de superar os
desafios que se põem ao país, neste momento crucial de nossa
história.
4. Infra-estrutura
A infra-estrutura é o elemento essencial para o desenvolvimento do país. Entretanto, os setores de transporte e de comunicações, praticamente, não se desenvolveram nos últimos 20 anos e o setor energético cresceu em nível inferior ao que seria necessário, só não tendo colapsado, ironicamente, porque o país estagnou, neste últimos 20 anos.
Energia
O setor de energia elétrica
está trabalhando na faixa de risco, com apenas 5% de reserva, o
que representa um terço do que se recomenda tecnicamente. Nos próximos
anos, a necessidade de racionamento de energia é uma hipótese
muito provável.
Em face da privatização
do setor elétrico, a estratégia adotada é de que cabe
ao setor privado prever o crescimento do setor, com no mínimo, 6
anos de antecedência, que é o tempo para se construir uma
hidrelétrica. Com base nesta previsão, é que o próprio
setor privado irá se propor a fazer os investimentos necessários
para que venhamos a dispor da energia e das linhas de transmissão
necessárias, tudo no devido tempo. Tratam-se de investimentos de
grande monta a serem feitos, sem retorno, por um prazo de 05 a 06 anos.
Também a eletrificação do campo, em geral deficitária,
ficaria a cargo do setor. Diga-se, a guisa de
esclarecimento, que 40 milhões
de brasileiros desconhecem os benefícios da energia elétrica.
Pois bem, esta é
a aposta feita no setor privado e o prêmio ou a perda é o
futuro do país.
Transporte
A rede rodoviária,
praticamente, não cresce há mais de vinte anos e está
significativamente deteriorada. Apenas 8% das rodovias são asfaltadas,
enquanto na Argentina, por exemplo, este percentual é de 23%.
A rede ferroviária
está deteriorada e encolhendo ano a ano. Sua extensão é,
ridiculamente, pequena, cerca de 30.000 Km, igual a da Argentina um país
que tem 1/3 da extensão do nosso.
A frota marítima
e os estaleiros brasileiros estão reduzidos a sua expressão
mínima. O transporte marítimo que já foi de 40% com
bandeira nacional, hoje não chega a 5%. Nos EUA, a navegação
de cabotagem se faz, por lei, em navios americanos e com equipagem americana.
Comunicações
O Sistema de Comunicação
está praticamente privatizado. O que se pode dizer é que
os desafios são enormes, basta mencionar que o número de
telefones por habitantes do país é de 1 para 15. Na Argentina,
para comparar, é de 1 para 10.
O futuro das comunicações
contempla o estabelecimento de infovias, mas a este respeito nada está
definido no país.
5. A Questão Tributária
A questão tributária
no país é de uma gravidade tal que é espantoso que
nada seja feito a respeito.
Das quinhentas maiores
empresas do país, 50%, simplesmente, não pagam impostos.
Os maiores bancos do país, em 40% dos casos, não pagam impostos.
A sonegação
de imposto no país é estimada em 50%.
De outro lado, o cidadão
é tributado em níveis incrivelmente altos, especialmente
os assalariados. Para exemplificar, um cidadão brasileiro, casado
com 2 filhos que receba R$ 3.000,00 por mês, paga o dobro de imposto
de renda que pagaria um cidadão americano (EUA) que recebesse um
salário correspondente. Entretanto, se o salário for de R$
20.000,00 por mês, o cidadão brasileiro pagará menos
que o americano, em situação semelhante.
A evasão de
recursos para o exterior de forma irregular atingem, como apurou uma Comissão
Parlamentar de Inquérito, a bilhões de dólares. Parte
desses recursos voltam ao país como investimento estrangeiro, sem
pagamento de imposto.
6. O Deficit Social
Além da concentração
de renda, pode-se apontar alguns itens que espelham o gigantesco déficit
social com o povo brasileiro.
Previdência Social
A Previdência
Social criada com vistas à aposentadoria foi estendida à
seguridade social, incluindo saúde e outros benefícios. Inicialmente
se previa a participação paritária do empregado, empregador
e governo, sendo que este, desde logo, se eximiu de contribuir. Posteriormente,
os recursos da Previdência foram desviados para a construção
de Brasília, da Transamazônica etc. A Previdência, de
outro lado, sofreu toda sorte de desvios ilegais e fraudes de toda ordem.
Foram criadas aposentadorias milionárias de R$ 30.000,00 e mais
(nos E.U. o teto é de apenas US$ 1.600,00).
Some-se a isso, a inclusão
do empregado agrícola na Previdência, sendo que o mesmo nunca
tenha contribuído para a mesma. Uma série de empregadores
foram generosamente perdoados de suas dívidas com o INSS, em milhões
e milhões de reais.
Em função
de todos estes descalabros a Previdência quebrou, vindo a onerar
as contas do governo.
Temos, portanto, um desafio enorme, que vem a ser a regularização da questão previdenciária, que de tão complexa parece insolúvel..
Saúde
A baixa renda, a desnutrição,
as condições sanitárias, a alta natalidade, os custos
crescentes da medicina, tudo concorre para o colapso da saúde no
país. O número de internações é crescente
e chega a 16 milhões por ano. O Brasil é um dos países
de maior mortalidade infantil do mundo, só ficando a frente dos
países pobres africanos. Cerca de 25% das crianças na escola,
no norte-nordeste, sofrem de desnutrição.
As doenças infecto-contagiosas,
chamadas de doenças da pobreza, estão aumentando no país,
tais como a malária, a hepatite, a dengue, a esquistossomose, a
doença de Chagas e até a tuberculose, que está recrudescendo
no país. Estima-se em torno de 40 milhões o número
de pessoas atingidas por doenças infecciosas no país.
A situação
da saúde no Brasil é preocupante e tende a se agravar em
função do aumento da pobreza, do desemprego e da estagnação
econômica.
Pode-se concluir, portanto,
que temos um desafio imenso a vencer também neste setor da realidade
brasileira.
Habitação
A questão habitacional se agrava a cada ano e a favelização, agora não só nas grandes cidades, é crescente. Estima-se um déficit habitacional de cerca de 12 milhões de habitações. Nos países que por razões diversas, inclusive guerras, tiveram um grave déficit habitacional esta questão foi enfrentada inclusive pela ação de ministérios criados com essa responsabilidade. No Brasil um programa neste sentido que contava com um Banco Nacional de Habitação foi simplesmente extinto.
A dimensão deste desafio e os custos que ele envolve, são preocupações a acrescentar quando se pensa no futuro do país.
Desemprego
O crescimento demográfico,
sem o desenvolvimento correspondente do país, e os avanços
da tecnologia, eliminando postos de trabalhos, estão conduzindo
o país a taxas crescentes de desemprego. Esta é, hoje, a
maior preocupação do povo brasileiro, aliada às questões
de segurança.
A taxa de desemprego
já excede a 8% da força de trabalho, sendo que em São
Paulo aproxima-se dos 20%. A situação é explosiva
e concorre para a pobreza, a falta de saúde e a criminalidade.
O problema é
mais grave por não contarmos, como ocorre em outros países,
com um seguro desemprego adequado.
Este é mais um desafio a vencer e cuja solução depende, diretamente, do desenvolvimento do país, sendo qualquer outra medida mero paliativo.
7. O Setor agropecuário
Existe um conceito unânime,
de que o Brasil com a área agricultável que possui, o clima
e a disponibilidade de água que desfruta poderia ser um dos maiores
produtores de produtos agropecuários, com capacidade de alimentar
o seu povo e exportar o excedente.
A realidade entretanto
é bem outra.
Em 1998, importamos
trigo, milho, arroz, o feijão e os níveis de desnutrição
da população se acentuaram. Enquanto a Argentina, por exemplo,
aumentou a sua produção em grãos em 60% nos últimos
5 anos, nós mantemos, há mais de 10 anos, uma produção
em torno de 75 milhões de toneladas. Por incrível que pareça,
esta é a aproximadamente a produção argentina com
a metade das terras agricultáveis. De outro lado, os índices
de produtividade e de qualidade de nossos produtos são insatisfatórios,
o que é mais uma dificuldade para que sejamos um grande exportador
de produtos agropecuários, o que poderia ser de grande ajuda para
a nossa balança comercial, elemento essencial ao desenvolvimento
do país.
8. O Setor Industrial
O país depois
de ter desenvolvido uma engenharia qualificada, com capacidade de competição
no exterior, e uma indústria diversificada e muito ativa no setor
produtivo, se depara hoje, com grandes dificuldades nestas duas áreas
de atividades.
Com efeito, a engenharia
após ter sido reduzida sensivelmente, sobretudo em face da diminuição
drástica na execução de obras de infra-estrutura,
se encontra presentemente em grandes dificuldades econômicas e tecnológicas.
A indústria,
por sua vez, a par da redução das encomendas, em virtude
da redução do crescimento, enfrenta uma competição
externa agressiva decorrente da abertura não planejada do mercado.
As conseqüências
de uma abertura indiscriminada, aliada a uma sobrevalorização
do dolar e a juros estratosféricos foram extremamente penosas para
a indústria e a recuperação do setor será uma
tarefa difícil de empreender.
A nacionalização
dos automóveis caiu ao nível de 30/40%, quando já
chegou a 70%. Como conseqüência, a indústria de autopeças
está em crise, com o desemprego conseqüente. De outro lado,
observa-se um processo de desnacionalização da indústria,
sendo que cerca de 500 empresas de porte já foram desnacionalizadas
nos últimos 10 anos.
9. A Corrupção
A corrupção no país atinge a níveis insuportáveis. Não há um setor de atividade que, investigado a fundo, não apresente toda sorte de irregularidades.
Quais as razões
de termos chegado a esta situação constrangedora? Será
a pobreza, a impunidade, a educação, as precárias
condições sociais, as desigualdades, o desemprego, a herança
colonial, a questão cultural? Possivelmente uma conjunção
de todos estes fatores, o que dá a medida do desafio a enfrentar.
O que espanta é a tolerância com a corrupção.
Os corruptos convivem tranqüilamente com as pessoas de bem, sem se
intimidar e até com arrogância. Não há um repúdio
a essas pessoas e ninguém denuncia ninguém. É temerário
fazê-lo, seriam considerados dedos-duros.
E o que é mais
preocupante e vergonhoso mesmo, é que as pessoas de bem, que são
maioria, estão intimidadas por uma minoria ousada. A maioria das
pessoas perdeu capacidade de se indignar e aceita, passivamente, as situações
mais constrangedoras, em seus locais de trabalho, no seu dia a dia.
De outro lado, ninguém
fiscaliza ninguém. A fiscalização mesmo por aqueles
que têm obrigação de fazê-lo é considerado
algo indigno, coisa de autoritarismo, de perseguição. Seria
impensável destituir, punir alguém por que um subordinado
seu repetida e claramente agiu delituosamente. Desta forma, é perfeitamente
possível a alguém agir com desonestidade, por longo tempo,
quase que abertamente, sem ser incomodado por ninguém. É
a certeza da impunidade.
É evidente que
a corrupção existe em todos os países. Mas o que espanta
e revolta é a extensão e profundidade com que ela ocorre
no Brasil. E mais, o clima de impunidade e a ousadia com que agem os corruptos,
quase que abertamente e intimidando as pessoas de bem.
Como conseqüência,
temos um país praticamente de cabeça para baixo. Os juizes
de quem se espera equilíbrio, isenção e justiça,
estão sendo acusados de roubo, seqüestro de crianças,
conivência com o narcotráfico.
Nos hospitais, de onde
se espera a cura e a salvação dos doentes estamos assistindo
o descaso, a irresponsabilidade e mesmo o assassinato dos pacientes. Os
medicamentos, que poderiam representar a esperança de cura das inúmeras
doenças, estão sendo falsificados em larga escala.
A polícia, que
deveria representar a segurança dos cidadãos, está
extorquindo, roubando e matando.
A escola, que deveria
instruir e ensinar, está em larga escala, se transformando em negócio
muito lucrativo, sem qualquer compromisso com a educação.
A política,
que deveria ser instrumento do bem comum se transformou em um balcão
de barganha e de interesse pessoal, com grandes rendimentos para os políticos.
A televisão,
que deveria instruir e educar, apresenta em escala crescente programas
de baixo nível, disseminando valores e procedimentos reprováveis.
O sistema financeiro
se transformou num grande cassino, onde se constroem grandes fortunas,
imediatamente enviadas ao exterior, sem fiscalização e sem
risco, pois o governo cobre eventuais possíveis prejuízos.
Um segmento expressivo
das instituições religiosas, que conduziriam à salvação
da alma, se transformou apenas num negócio lucrativo.
As conseqüências danosas para o país, decorrentes da corrupção generalizada, vão muito além do que se possa imaginar. Marvin Zonis, da universidade de Chicago, afirma que a corrupção é o principal fator que contribuí isoladamente para a instabilidade política e o retrocesso econômico nos países emergentes. A corrupção produz, inevitavelmente, a crise política.
A corrupção
é, ao mesmo tempo, importante causa e efeito de todas as disfunções
que foram mencionados anteriormente. Decorre daí o desafio imenso
que representa a redução dramática da corrupção
e a valorização do procedimento correto, como condição
primeira para que o país escape de um futuro melancólico.
CONCLUSÃO
Qualquer analista que
avalie, com isenção, a conjuntura brasileira não poderá
deixar de concluir que vivemos um momento delicado de nossa história.
Estamos em face de uma encruzilhada, ou nos sensibilizamos para mudar,
drasticamente, a situação atual e nos orientamos no sentido
de vencer os graves desafios que se nos oferecem ou o país mergulhará
no caminho de sua própria desagregação sócio-econômica.
O primeiro passo a
ser dado é a conscientização de todos, sobretudo das
elites dirigentes, para a gravidade do momento. Os pobres e excluídos
já têm esta consciência, pois sofrem duramente os efeitos
de uma realidade perversa.
Em seguida, é
preciso que todos estejam conscientes de que as nossas dificuldades decorrem,
fundamentalmente, da nossa acomodação, improbidade, incompetência
e, sobretudo, falta do espírito de vencer as nossas vicissitudes
e de construir uma sociedade mais justa e próspera.
É imprescindível
deixar de lado, definitivamente, o erro de atribuir a nossa cultura, a
nosso passado ou a terceiros, a origem de nossas dificuldades, insucessos
e descaminhos.
Conscientizada a gravidade
da situação, se faz necessário que a nação
se mobilize na busca dos dois objetivos mencionados: o desenvolvimento
segundo um paradigma de inclusão social e a inserção
inteligente e programada na nova ordem mundial. São objetivos interdependentes,
como já se disse, e que requerem para o seu atendimento inúmeras
ações a serem coordenadas pelo governo segundo um Projeto
Nacional, concebido em consonância com a sociedade e levado a termo
com determinação e persistência, por muitos e muitos
anos. É ilusório pensar-se que as transformações
necessárias possam ocorrer aleatoriamente, ao sabor das forças
de mercado e das contingências mundiais. Necessitamos de um projeto
à semelhança
daquele perseguido, por mais de um século,
por governos dos Estados Unidos e que levaram aquele país à
condição de primeira potência mundial; a semelhança
daqueles que conduziram a Alemanha e o Japão à condição
de potências ricas e poderosas, ressurgindo das cinzas da derrota
e da destruição da Segunda Guerra; à semelhança
daquele que levou a Coréia do Sul à condição
de país desenvolvido, a partir de uma renda per capita de U$ 100
dólares, em 1964, a U$ 10.000 dólares, recentemente.
Faz-se necessário
que a sociedade se sensibilize no sentido de pressionar e exigir das lideranças
e das elites nacionais que empreendam um Projeto Nacional, no sentido de
conduzir o país ao encontro do seu futuro. Um projeto desta natureza,
por sua extensão e complexidade, exige uma equipe de governo composta
por homens de ação e de grande competência. Nada será
alcançado se o mesmo ficar dependente de pessoas não qualificadas
e de acertos e acomodações para atender a interesses políticos
menores.
Não podemos deixar de reconhecer que a conjugação de todos os fatores mencionados anteriormente é muito difícil de se obter. Tenhamos confiança, entretanto, que o país irá reencontrar o seu caminho e tornar-se-á, num futuro próximo, realmente, um país desenvolvido e socialmente justo.
* O autor é Chefe
da Divisão de Assuntos de Ciência e Tecnologia da Escola Superior
de Guerra