Revista do Clube Militar - Setembro/1999.
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A Amazônia e a Dissuasão Estratégica
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O autor analiza a importância da estratégia de dissuação e onde atua na nova ordem mundial, e
aponta para a necessidade de o Brasil adotar uma doutrina de dissuasão estratégica, com vistas a
manter sua soberania na região amazônica, diante das ameaças que se configuram.


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- Carlos de Meira Mattos -
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    A estratégia de dissuasão, na língua inglesa "deterrence", passou a ser conhecida e mais bem estudada a partir o período de confronto nuclear. O horror aos efeitos aniquiladores das explosões nucleares levaram os especialistas a procurar uma estratégia capaz de conter o perigo. Esta estratégia foi primeiro conceituada pelo General Beaufre, francês, nos anos 60, que assim apresentou:
    "A dissuasão nuclear visa a paralisar o conflito bélico pela imposição ao agressor da ameaça de uma represália que não lhe permita sobreviver à agressão".
    Graças à dissuasão, o confronto nuclear entre as duas superpotências, que durou 40 anos e suportou o desafio constante das "escaladas" de um para superar o outro, sucessivamente, terminou sem que acontecesse a hecatombe.
    A estratégia de dissuasão, com este nome, ocupa hoje as áreas de confronto não nuclear, no campo militar convencional, na guerrilha e nos entrechoques políticos. Sua conceituação não se afasta daquela que a deu o General Beaufre: trata-se de evitar o choque, a ruptura, impondo uma ameaça cujo preço o adversário saiba, a priori, que terá que pagar.

    Estamos assistindo à estratégia de dissuasão utilizada hoje pelos sérvios e somális, como instrumento para evitar a ocupação de seus territórios por forças internacionais da ONU.
    As guerrilhas da Sérvia e da Somália dão demonstrações de que a ocupação de seus países custará um preço pesado, em vidas e logística. A avaliação desse preço vem provocando o desentendimento entre os grandes da ONU, que querem intervir mas não querem sacrificar seus compatriotas e onerar seus recursos materiais. Sem a ocupação terrestre não se manifesta o grau de ameaça capaz de dissuadir os guerrilheiros. O preço a pagar nesses conflitos envolve, fatalmente, a ocupação por forças terrestres; se o assunto pudesse ser resolvido por bombardeio aéreo e operações navais, estariam todos de acordo. Na hora de desembarcar tropa de ocupação, já que a força de paz não está dando conta do recado, os governos de Washington e Paris, principalmente, param para pensar. Washington ainda sob os efeitos da derrota no Vietnã, onde chegou a ter 500.000 homens e a França ainda remói a triste memória das guerras da Argélia e Indochina.
    Os governos que cultivam a opinião pública não encontram apoio desta para se envolverem em operações terrestres de duração duvidosa. As síndromes do Vietnã, Argélia e Indochina ainda pesam sobre as sociedades norte-americana e francesa que arcaram com o pesado ônus dessas guerras (Vietnã, 46.000 mortos, 300.000 feridos, 1.800 desaparecidos e dezenas de milhares de desajustados e Argélia e Indochina cerca de 150.000 mortos).

    Esta doutrina de dissuação estratégica enquadra-se hoje, perfeitamente, na necessidade do Brasil de estabelecer um projeto militar para enfrentar as ameaças suscitadas pelas perspectivas do mundo de após queda do Muro de Berlim.
    Todos os países, principalmente os 7 grandes, estão reformulando os seus projetos militares em face das alterações ocorridas no quadro de ameaças. Tratados e pactos internacionais procuram reajustar-se ao novo quadro político-estratégico.
    No que se refere ao Brasil, quais seriam as novas ameaças a considerar, levando em conta o dever de todo Estado soberano de cuidar de sua defesa?
    Não resta dúvida de que as ameaças de confronto com nossos vizinhos continentais estão reduzidas às exigências de um grau de precaução mínimo. Os perigos mais evidentes vêm das tentativas de implantação de "uma nova ordem mundial" dentro das idéias internacionalistas veiculadas nos concílios dos "grandes". Essas idéias têm sido alimentadas por organizações científicas e religiosas do hemisfério norte e aceitas por governantes que as deixam vasar ou as divulgam intencionalmente.
    No centro dessas idéias, no que interfere com os nossos interesses nacionais, está a aceitação do estabelecimento, no planeta, de áreas consideradas "patrimônio da humanidade". Esses "patrimônios" se destinam a preservar interesses de grupos ambientais, de antropologistas, de reformadores sociais. Entre as teses mais divulgadas, e objetos de maior pressão forânea, está a internacionalização da Amazônia. A justificativa apresentada para essa necessidade de internacionalização é vária - vai desde a ajá desmentida tese de "pulmão da humanidade", até a afirmação de que "a floresta tropical úmida deve ser preservada intacta, até que pesquisas revelem o melhor modo de explorá-la, pois ela é, ecologicamente, um deserto coberto de árvores e se as árvores forem removidas a região se converterá em um deserto". (Do livro "A Selva Amazônica: do Inferno Vermelho ao Deserto Vermelho", de autoria de Robert Goodland e H. Irwin).
    A essas preocupações com os efeitos da floresta no equilíbrio ecológico do planeta, somam-se as reivindicações das organizações mundiais ligadas ao campo da antropologia que pretendem manter as poucas tribos indígenas existentes na Amazônia, intocáveis, no estado de seu primitivismo original, a serem preservadas como verdadeiro laboratório vivo destinado à curiosidade de estudiosos.
    A confluência das teses ecológicas com as dos antropólogos são geradoras da pressão internacional sobre a Amazônia, criando a imagem de "patrimônio da humanidade".
    Qual seria a autoridade mundial credenciada para estabelecer o "status" de patrimônio mundial? Segundo a proposta do ex-ministro da defesa dos Estados Unidos, Mr. Robert McNamara, poderá ser o clube dos 7 grandes (G-7) através dos instrumentos de pressão de que dispõem (Conselho de Segurança da ONU e instituições financeiras internacionais). Após o conflito da Iugoslávia os "7 Grandes" transformaram a OTAN em seu "braço militar" intervencionista.
    Uma vez sancionada como "patrimônio da humanidade" a região indigitada perderia sua condição de soberania plena por parte do Estado a que pertence e ficaria sob o status de "soberania limitada" ou "meia soberania", devendo aceitar as exigências impostas em nome dos "interesses comuns da humanidade".

    A renúncia ao princípio de soberania é fatal para o Estado; ele se desqualifica entre os demais, se inferioriza, colonializa-se. Nós, brasileiros, não podemos aceitar.
    Por que não negociar um acordo dentro do critério do consentimento nacional a favor de certas medidas de interesse internacional?
    Porque não adotamos a tese do Presidente Castello Branco de aceitar o princípio da interdependência como solução para um ajuste de consentimento voluntário entre Estados Soberanos? Por que, sorrateiramente, ir montando a operação internacional na base da arrogância "dos grandes"?
    Os problemas das regiões internacionalizadas trazem no seu bojo inúmeros subprodutos nocivos aos interesses do Estado que as cede, tais como: - gera dubiedades em termos de autoridade, por onde podem prosperar os males que se quer evitar, tais como o narcotráfico, o contrabando, a mineração espoliativa, e a formação de entidades indígenas autônomas incapazes de se autogovernarem. Pode bem vir a acontecer que a internacionalização, pela duplicidade de autoridade sobre a área, tranforme-se num viveiro de abusos e clandestinidades.
    Vale lembrar que esta idéia de internacionalização ronda a Amazônia há vários anos. Em 1948 tivemos o impacto do projeto da UNESCO, conhecido por "Hiléia Amazônica", aprovado naquela organização até pelo representante brasileiro e não homologado pelo nosso legislativo. Esse projeto já previa a internacionalização da nossa Amazônia. Assim é a mesma onda que volta, tocada por outros ventos.
    Devemos estar preparados para vencer essa nova corrente de pressões internacionais que se anunciam em vários pontos, de forma ainda inconsistente. Não tenhamos dúvidas de que esta pressão vai crescer.

    Nossos instrumentos de defesa são, primeiramente, a via diplomática. Precisamos de uma diplomacia convincente, ativa e dinâmica, capaz de afastar os perigos sem a necessidade de violência.
    Se falharem os recursos da negociação diplomática não podemos, como Estado soberano, excluir a hipótese de defesa militar. Não temos a veleidade de admitir que possamos no campo da força derrotar os possíveis intervencionistas do primeiro mundo. Mas, ali está a importância da dissuasão estratégica.
    Devemos possuir uma força armada capaz de oferecer uma ameaça a qualquer aventura militar. Capaz de dissuadir, se não pela possibilidade de vitória, pela capacidade de tornar caro, pesado, o ônus da aventura militar. Como conceituou o Gen. Beaufre, nos anos 60, capaz de convencer àqueles que nos ameacem, que pagarão caro, em vidas humanas e em recursos logísticos, à decisão de intervir. Assim, estaremos pela dissuasão estratégica, garantindo a nossa soberania, e evitando (é bem possível) o confronto armado.

  (O autor é General-de-Divisão)
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