A estratégia
de dissuasão, na língua inglesa "deterrence", passou a ser
conhecida e mais bem estudada a partir o período de confronto nuclear.
O horror aos efeitos aniquiladores das explosões nucleares levaram
os especialistas a procurar uma estratégia capaz de conter o perigo.
Esta estratégia foi primeiro conceituada pelo General Beaufre, francês,
nos anos 60, que assim apresentou:
"A dissuasão
nuclear visa a paralisar o conflito bélico pela imposição
ao agressor da ameaça de uma represália que não lhe
permita sobreviver à agressão".
Graças à
dissuasão, o confronto nuclear entre as duas superpotências,
que durou 40 anos e suportou o desafio constante das "escaladas" de um
para superar o outro, sucessivamente, terminou sem que acontecesse a hecatombe.
A estratégia
de dissuasão, com este nome, ocupa hoje as áreas de confronto
não nuclear, no campo militar convencional, na guerrilha e nos entrechoques
políticos. Sua conceituação não se afasta daquela
que a deu o General Beaufre: trata-se de evitar o choque, a ruptura,
impondo uma ameaça cujo preço o adversário saiba,
a priori, que terá que pagar.
Estamos assistindo à
estratégia de dissuasão utilizada hoje pelos sérvios
e somális, como instrumento para evitar a ocupação
de seus territórios por forças internacionais da ONU.
As guerrilhas da Sérvia
e da Somália dão demonstrações de que a ocupação
de seus países custará um preço pesado, em vidas e
logística. A avaliação desse preço vem provocando
o desentendimento entre os grandes da ONU, que querem intervir mas não
querem sacrificar seus compatriotas e onerar seus recursos materiais. Sem
a ocupação terrestre não se manifesta o grau de ameaça
capaz de dissuadir os guerrilheiros. O preço a pagar nesses
conflitos envolve, fatalmente, a ocupação por forças
terrestres; se o assunto pudesse ser resolvido por bombardeio aéreo
e operações navais, estariam todos de acordo. Na hora de
desembarcar tropa de ocupação, já que a força
de paz não está dando conta do recado, os governos de
Washington e Paris, principalmente, param para pensar. Washington ainda
sob os efeitos da derrota no Vietnã, onde chegou a ter 500.000 homens
e a França ainda remói a triste memória das guerras
da Argélia e Indochina.
Os governos que cultivam
a opinião pública não encontram apoio desta para se
envolverem em operações terrestres de duração
duvidosa. As síndromes do Vietnã, Argélia e Indochina
ainda pesam sobre as sociedades norte-americana e francesa que arcaram
com o pesado ônus dessas guerras (Vietnã, 46.000 mortos, 300.000
feridos, 1.800 desaparecidos e dezenas de milhares de desajustados e Argélia
e Indochina cerca de 150.000 mortos).
Esta doutrina de dissuação
estratégica enquadra-se hoje, perfeitamente, na necessidade do Brasil
de estabelecer um projeto militar para enfrentar as ameaças suscitadas
pelas perspectivas do mundo de após queda do Muro de Berlim.
Todos os países,
principalmente os 7 grandes, estão reformulando os seus projetos
militares em face das alterações ocorridas no quadro de ameaças.
Tratados e pactos internacionais procuram reajustar-se ao novo quadro político-estratégico.
No que se refere ao
Brasil, quais seriam as novas ameaças a considerar, levando em conta
o dever de todo Estado soberano de cuidar de sua defesa?
Não resta dúvida
de que as ameaças de confronto com nossos vizinhos continentais
estão reduzidas às exigências de um grau de precaução
mínimo. Os perigos mais evidentes vêm das tentativas de implantação
de "uma nova ordem mundial" dentro das idéias internacionalistas
veiculadas nos concílios dos "grandes". Essas idéias têm
sido alimentadas por organizações científicas e religiosas
do hemisfério norte e aceitas por governantes que as deixam vasar
ou as divulgam intencionalmente.
No centro dessas idéias,
no que interfere com os nossos interesses nacionais, está a aceitação
do estabelecimento, no planeta, de áreas consideradas "patrimônio
da humanidade". Esses "patrimônios" se destinam a preservar interesses
de grupos ambientais, de antropologistas, de reformadores sociais. Entre
as teses mais divulgadas, e objetos de maior pressão forânea,
está a internacionalização da Amazônia. A justificativa
apresentada para essa necessidade de internacionalização
é vária - vai desde a ajá desmentida tese de "pulmão
da humanidade", até a afirmação de que "a floresta
tropical úmida deve ser preservada intacta, até que pesquisas
revelem o melhor modo de explorá-la, pois ela é, ecologicamente,
um deserto coberto de árvores e se as árvores forem removidas
a região se converterá em um deserto". (Do livro "A Selva
Amazônica: do Inferno Vermelho ao Deserto Vermelho", de autoria de
Robert Goodland e H. Irwin).
A essas preocupações
com os efeitos da floresta no equilíbrio ecológico do planeta,
somam-se as reivindicações das organizações
mundiais ligadas ao campo da antropologia que pretendem manter as poucas
tribos indígenas existentes na Amazônia, intocáveis,
no estado de seu primitivismo original, a serem preservadas como verdadeiro
laboratório vivo destinado à curiosidade de estudiosos.
A confluência
das teses ecológicas com as dos antropólogos são geradoras
da pressão internacional sobre a Amazônia, criando a imagem
de "patrimônio da humanidade".
Qual seria a autoridade
mundial credenciada para estabelecer o "status" de patrimônio mundial?
Segundo a proposta do ex-ministro da defesa dos Estados Unidos, Mr. Robert
McNamara, poderá ser o clube dos 7 grandes (G-7) através
dos instrumentos de pressão de que dispõem (Conselho de Segurança
da ONU e instituições financeiras internacionais). Após
o conflito da Iugoslávia os "7 Grandes" transformaram a OTAN em
seu "braço militar" intervencionista.
Uma vez sancionada
como "patrimônio da humanidade" a região indigitada perderia
sua condição de soberania plena por parte do Estado a que
pertence e ficaria sob o status de "soberania limitada" ou "meia soberania",
devendo aceitar as exigências impostas em nome dos "interesses comuns
da humanidade".
A renúncia ao
princípio de soberania é fatal para o Estado; ele se desqualifica
entre os demais, se inferioriza, colonializa-se. Nós, brasileiros,
não podemos aceitar.
Por que não
negociar um acordo dentro do critério do consentimento nacional
a favor de certas medidas de interesse internacional?
Porque não adotamos
a tese do Presidente Castello Branco de aceitar o princípio da interdependência
como solução para um ajuste de consentimento voluntário
entre Estados Soberanos? Por que, sorrateiramente, ir montando a operação
internacional na base da arrogância "dos grandes"?
Os problemas das regiões
internacionalizadas trazem no seu bojo inúmeros subprodutos nocivos
aos interesses do Estado que as cede, tais como: - gera dubiedades em termos
de autoridade, por onde podem prosperar os males que se quer evitar, tais
como o narcotráfico, o contrabando, a mineração espoliativa,
e a formação de entidades indígenas autônomas
incapazes de se autogovernarem. Pode bem vir a acontecer que a internacionalização,
pela duplicidade de autoridade sobre a área, tranforme-se num viveiro
de abusos e clandestinidades.
Vale lembrar que esta
idéia de internacionalização ronda a Amazônia
há vários anos. Em 1948 tivemos o impacto do projeto da UNESCO,
conhecido por "Hiléia Amazônica", aprovado naquela organização
até pelo representante brasileiro e não homologado pelo nosso
legislativo. Esse projeto já previa a internacionalização
da nossa Amazônia. Assim é a mesma onda que volta, tocada
por outros ventos.
Devemos estar preparados
para vencer essa nova corrente de pressões internacionais que se
anunciam em vários pontos, de forma ainda inconsistente. Não
tenhamos dúvidas de que esta pressão vai crescer.
Nossos instrumentos
de defesa são, primeiramente, a via diplomática. Precisamos
de uma diplomacia convincente, ativa e dinâmica, capaz de afastar
os perigos sem a necessidade de violência.
Se falharem os recursos
da negociação diplomática não podemos, como
Estado soberano, excluir a hipótese de defesa militar. Não
temos a veleidade de admitir que possamos no campo da força derrotar
os possíveis intervencionistas do primeiro mundo. Mas, ali está
a importância da dissuasão estratégica.
Devemos possuir
uma força armada capaz de oferecer uma ameaça a qualquer
aventura militar. Capaz de dissuadir, se não pela possibilidade
de vitória, pela capacidade de tornar caro, pesado, o ônus
da aventura militar. Como conceituou o Gen. Beaufre, nos anos 60, capaz
de convencer àqueles que nos ameacem, que pagarão caro, em
vidas humanas e em recursos logísticos, à decisão
de intervir. Assim, estaremos pela dissuasão estratégica,
garantindo a nossa soberania, e evitando (é bem possível)
o confronto armado.